A outra História brasileira


(Por: Mariano Andrade)

O brilhante filme "A outra História americana" traz Edward Norton interpretando o neo-nazista Derek Vinyard, atuação que lhe valeu a indicação ao Oscar de melhor ator. A narrativa mostra a mudança de comportamento de Derek após a perda do pai e como foi cooptado por um líder fanático. Derek acaba preso após assassinar um rival negro e, durante sua subsequente jornada na prisão, revisita sua vida e a ideologia que o destruiu, concluindo que nada do que defendia fazia sentido.


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Em recente viagem à Flórida, pude notar certos padrões de comportamento dos brasileiros quando expostos a fatores como (i) inserção em uma economia livre onde o estado deseja ser pequeno, (ii) inserção em um estado onde há o império da lei, e (iii) pequena recuperação econômica no Brasil com melhoria de expectativas. Tal é a diferença para o padrão habitual que talvez sejam distúrbios comportamentais? Ou será que, ao contrário do protagonista do filme, o brasileiro simplesmente consegue raciocinar melhor fora da prisão?  (Sim, somos uma prisão, ocupamos péssimas posições em rankings de liberdade econômica, atrás de países miseráveis como Serra Leoa e de ditaduras como China e Rússia). 

Passeios aos outlet malls revelaram que os brasileiros adoram consumir quando o preço é convidativo. E não se importam com o sales tax que é adicionado à fatura ao final da compra, ou seja, o peso do estado “sai na urina”. Em diversas lojas, os vendedores estimam que mais de 60% das vendas dos últimos dois meses havia sido para clientes brasileiros. Somos um exército de compradores, devidamente uniformizados com moletons da GAP e usufruindo de um estado eficiente que consegue se sustentar com baixos impostos. Dito de outra forma, adoramos consumir quando não há o famoso “custo brasil” na estrutura de preços.

Eu apostaria que muitos desses compradores são contra a reforma da previdência, mesmo que isso acarrete em maior carga tributária no Brasil, consequentemente encarecendo o consumo. Não é possível compatibilizar consumo de qualidade a custo baixo com estado grande – seríamos então um exército de bipolares?

Muitos brasileiros em viagem pelos EUA recebem compras pela Amazon. Ou seja, nós brasileiros gostamos de comprar a preços baixos, com um serviço ao consumidor excelente e sabendo – no ato da compra – exatamente o dia em que o produto será entregue. Eu chutaria que muitos dos clientes tupiniquins da Amazon Prime são contra a privatização dos Correios. Como conciliar esta posição com a satisfação que certamente sentem ao lidar com um serviço de entregas confiável e pontual?

Os brasileiros adoram alugar carros na Flórida e não se incomodam de dirigir longas distâncias em pistas impecáveis e bem sinalizadas, mesmo que isso signifique pagar pedágios. Ademais, não se importam de passar por pedágios onde não há cabine de cobrança, mesmo sem saber qual o custo da tarifa. E, por fim, os brasileiros também parecem achar cool e prático o sistema de self-service nos postos de gasolina, e não se furtam a encher o tanque toda hora, pois a gasolina é bem barata.

Garanto ao leitor que muitos desses turistas são contra as privatizações/concessões rodoviárias, o que leva o Brasil a ter estradas esburacadas, velhas e mortais. Também asseguro ao leitor que muitos desses brasileiros defendem a obrigatoriedade de cobradores em pedágios e frentistas, sob a ótica da preservação dos empregos. São realmente esquisofrênicos! Adorariam comprar no Brasil os carros que alugam na Flórida, mas não notam que isso resta impossível (leia-se, caríssimo) pois nosso arcabouço preserva empregos inúteis e o custo disso impacta em toda a economia brasileira, inclusive nos preços dos carros.

E – merecendo um parágrafo à parte – como podem estes turistas discordarem da privatização da Petrobrás que, dentre outras coisas, baratearia substancialmente o preço da gasolina no Brasil? Quem se lembra do custo de uma linha telefônica antes da privatização das teles? Era item declarado em imposto de renda de tão valioso e escasso. E houve quem achasse que telecomunicações era um setor-chave para a segurança nacional.

Aconteceu comigo e suponho que também com outros brasileiros ao dirigir durante o horário escolar: depararei-me com um "cross guard". Mas não soube de ninguém que enfrentou uma blitz de lei seca, até porque trata-se de um país livre, onde cada um exerce seu livre-arbítrio e é devidamente punido se pisar na bola. O "cross guard" é um funcionário que para o trânsito para conferir segurança aos estudantes que atravessam as ruas, pois os americanos sabem que a pressa mata muito mais do que a pinga.

https://www.metrojornal.com.br/foco/2017/05/01/brasil-e-o-quinto-pais-mundo-em-mortes-no-transito-segundo-oms.html

Adoramos as ruas bem arrumadas da Flórida, com seus gramados aprumados e com a ordem respeitada. Por que os americanos não picham, grafitam ou danificam o patrimônio público e privado para acrescentar um pouco de arte ao ambiente urbano? Curioso...

Em lojas como Target e Walmart, os brasileiros enchem seus carrinhos de produtos, a maioria deles importados. Aparentemente, o turista brasileiro não se preocupa tanto com a procedência de um produto caso a relação custo-benefício pareça-lhe apropriada. Por que cargas d’água muitos desses turistas ao pousarem de volta no Brasil bradam pelo protecionismo à indústria nacional? São loucos? Sofrem de distúrbios quando mudam de hemisfério?

Sobre segurança, curiosamente presenciei um roubo num McDonalds. Três rapazes esperaram que um cliente se distraísse, arrancaram o celular de sua mão e saíram em disparada. Incrivelmente, a vítima era um brasileiro. Os funcionários da loja imediatamente chamaram a polícia que chegou ao local antes de minha comida ficar pronta! Havia diversos brasileiros na loja e todos encorajaram a vítima a prestar queixa e colaborar com as autoridades. Ou seja, adoramos um serviço de segurança pública capacitado, confiável e respeitado.

Será que este brasileiro chamaria a polícia se estivesse no Brasil? Será que os funcionários da loja correriam para o telefone para pedir socorro? Provavelmente não – a polícia aqui é desprestigiada, com anuência de correntes “progressistas” de esquerda que certamente recebem votos dos eleitores que visitam a Flórida. Se gostamos de polícia eficiente, por que votamos em imbecis que são contra a mudança na idade penal ou que pregam fim da polícia militar? 

Por que admitimos que a principal emissora do país veicule uma novela que faz apologia ao bandido e ao tráfico, e ainda conferimos a ela um baita Ibope? Ser bipolar com gasolina ou com agasalho da GAP é uma coisa, ser bipolar com a vida humana é muito mais grave. Gostamos de polícia equipada, valorizada e eficiente só no país dos outros? Deveríamos ser internados.

Finalmente, pude verificar que o comportamento do brasileiro nos aeroportos americanos difere muito daquele praticado debaixo do equador. Aqui no Brasil, sempre há espertinhos tentando furar as filas ou pedindo um jeitinho para embarcar antes. Nos EUA, ninguém tenta esses expedientes, pois é sabido que não funcionam. Mesmo idosos e grávidas ficam quietinhos na fila, aguardando sua vez, sabedores de que só há exceção para quem realmente tem limitações físicas ou quem viaja com crianças pequenas. E os brasileiros sabem que não adianta colocar uma criança grande no colo pois, aproveitando o trocadilho, não cola.

Ou seja, temos absoluta consciência de que a deplorável Lei de Gérson não funciona nos EUA e, pasmem, tudo fica mais eficiente para todos. Então por que teimamos em querer levar vantagem em tudo no momento em que pisamos no Brasil? Somos uma aberração psiquiátrica?

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Fora da nossa prisão econômica, basta uma pequena melhora de expectativas para que o brasileiro busque o sonho americano. No fim das contas, o sonho americano é o sonho brasileiro, é o sonho norte-coreano, é o sonho venezuelano: é o sonho de qualquer ser humano normal que busca a melhor qualidade de vida possível pagando o menor preço que puder para tal.

Não adianta os brasileiros só perseguirem o sonho americano quando estiverem de passagem pelos EUA, precisamos perseguí-lo aqui no Brasil também, todo dia. Parar de ir na direção errada é o primeiro passo para isso.

Não dá para ter qualidade de vida americana e estrutura sócio-econômica de Cuba. É querer manter-se vivo com a cabeça no congelador e os pés no fogão. Precisamos resolver essa nossa bipolaridade, de preferência pro ”lado bom da força”, negando todas as ideias esdrúxulas e comportamentos contraproducentes que ameaçam destruir a economia brasileira. 

Portanto, leitor, pense bem quando criticar a reforma da previdência, quando defender empresas estatais ou quando assistir a uma novela que romantize o crime. Pense bem quando votar e comece a escrever a "outra História brasileira".

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Finda sua pena, apesar de Derek então já refutar o ideário neo-nazista, era tarde demais. Havia feito muitos inimigos e isso acaba impondo-lhe um final trágico.

Tomara que não seja muito tarde para reescrevermos nossa História.

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