Pesadelo tropical


(Por: Mariano Andrade)

O jovem teve uma noite inquieta. Ideias malucas transtornavam sua cabeça e perturbavam seu sono. O rapaz se imaginou vivendo em uma sociedade distópica e não sabia se teria oportunidades dignas de construir seu futuro. Sentiu-se como Alice.

Naquela realidade paralela, tudo era muito estranho e as regras não eram claras. Alguns tinham privilégios e benefícios especiais. Ainda assim, o sucesso profissional e financeiro honestamente conquistado era malvisto, era interpretado como pilantragem – salvo no caso de celebridades. Como ter, então, uma carreira bem-sucedida? Na encruzilhada que inicia a vida adulta, o jovem tinha mais perguntas do que respostas.

"Serei médico", vislumbrou. Subitamente, viu-se em hospitais velhos e obsoletos, trabalhando em condições precárias, ao passo que um certo (ex-)presidente dizia que a saúde no país era quase perfeita. Também foi tomado pela horripilante visão de hordas de pretensos médicos vindos de outras terras e sendo mais valorizados pela opinião pública e pela mídia do que ele e seu colegas.

"Quem sabe entrar para a política, começar como vereador e ver onde vai dar?" Mas naquela terra estranha só havia dois tipos de pessoas na política: fascistas ou imbecis. Os imbecis apoiavam regimes que colocam tanques para atropelar seu povo ou que promovem pelotões de fuzilamento. Os fascistas eram todos os outros. Ele suava frio.

"Será que nesse lugar os vereadores ficam conhecidos por ocasião de sua morte e não pelo que construíram durante seus mandatos?". Foi o suficiente para desistir da ideia.

Talvez buscar uma carreira que o enobrecesse, pensou. Contudo,naquele lugar só eram considerados  heróis os futebolistas que agridem torcedores e sonegam impostos, ou os desocupados que participam de programas de TV desprovidos de propósito. Bombeiros, policiais e militares eram vilipendiados. “O que será de mim?”, exasperava o jovem. Ele já não sabia se estava gritando durante o sono conturbado.

Juiz! Veio-lhe essa ideia. “Vou estudar para poder promover a justiça”. A adrenalina pouco durou: no seu cenário de sonho viu cortes decrépitas e corruptas, juízes que legislam e transgridem seus mandatos e outros que censuram liberdades. “Não!”, pensava ele, “quero ir embora!”.

Num instante, passou a ver flashes de colegas seus, os mais brilhantes e promissores, indo embora daquele buraco. Acenavam adeus e olhavam adiante. O jovem sabia que estavam cansados daquele pesadelo e iriam construir seu futuro em outro lugar mais virtuoso...

“Vou ficar aqui e empreender, terei muito sucesso”. Subitamente, começaram a chover folhas de papel, cada uma com um carimbo diferente, não paravam de cair. Estava sendo soterrado. Algumas figuras soturnas estendiam-lhe a mão, pareciam oferecer-lhe ajuda mas pediam algo em troca, embora o jovem não conseguisse compreender. A visão de sua empresa afogada em processos trabalhistas e fiscais, mesmo depois de encerrar suas atividades, quase o fez perder o ar.

"Melhor trabalhar para os outros", pensou. "Serei executivo, vou cortar ineficiências, maximizar o lucro da empresa e serei bem-sucedido". Num instante veio-lhe a imagem dantesca de milhares e milhares de clientes protestando nas ruas contra sua decisão de cortar 3% do orçamento de manutenção da sede da companhia. Após um tempo, sonhou ele, ficaria desempregado: seu empregador abandonaria as operações naquele lugar maluco, cansado da justiça torta e dos justiceiros intrometidos.

Ocorreu-lhe a possibilidade de ser jornalista. Mas rapidamente viu-se rodeado de colegas despreparados, sem qualquer conhecimento de História. Havia outros tantos que usavam sua caneta leviana a serviço de correntes políticas que lhes garantiam benesses. Outros mal sabiam escrever adequadamente. Sentiu-se enlameado. Também pôde perceber que, naquele caos, muitos formadores de opinião eram jovens de 20 anos cujo ofício era falar baboseiras diariamente na internet. "Má ideia", concluiu.

“Vou mudar isso aqui”, pensou em sonho. E então sua mente o levou para uma cidade plana, em formato de pássaro – ou seria avião? – com duas torres magras e brancas. E, subitamente, viu-se soterrado por essas torres, no escuro e sem ar. “Precisamos de liberdade!”, sentiu que chegou a gritar, já quase sem ar.

Liberdade! Acalmou-se e viu-se ladeado por liberais. Tranquilizou-se por um breve momento até perceber que o grupo não falava a mesma língua, mal conseguia se comunicar. Havia um guru brilhante, mas que não mandava muito. Um outro, que parecia o chefe mas não liderava nada, e ainda tinha alguns filhos que palpitavam sem parar. No desenrolar desse caos, o chefe liberal metia o bedelho no nível dos juros bancários e em filmes publicitários, uma trapalhada só. “Será que alguém é livre nesse lugar?”.

Suava, suava mais, tremia... De repente, acordou. Levou um lapso de tempo até realizar que tudo fora um sonho ruim e estava no seu amado Brasil. Nada daquilo era verdade, ufa! Além do mais, era semana de Carnaval, então estava tudo bem. O futuro? Só precisava pensar nisso depois da folia.




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