(Por: Mariano Andrade)
“Life doesn’t imitate art, it imitates bad television” (Woody Allen)
O filme “Bananas” (1971) de Woody Allen se passa em San
Marcos, uma república latino-americana fictícia. Há um golpe de estado pelos
militares e Fielding Mellish, o protagonista do filme, sai dos EUA para visitar
San Marcos, no intuito de impressionar uma ativista política por quem se
interessava.
Uma trama cheia de passagens do gênero pastelão-improvável leva Fielding a se tornar um revolucionário. Nessa trajetória, há cenas extremamente toscas: no seu treinamento, Fielding tira o pino de uma granada e atira o pino para longe, ao invés do explosivo. Num encontro oficial na sede do governo golpista, um garçom aparece para cobrar o consumo dos convidados. Em outra ocasião, Fielding volta aos EUA para negociar com as autoridades americanas usando uma barba postiça absolutamente ridícula, e por aí vai.
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A suposta tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 completou
um ano. O filme “Bananas” já é cinquentenário, mas a realidade finalmente superou
a ficção. A insistência das autoridades e grande mídia em qualificar aqueles
atos como golpe, bem como uma cerimônia oficial celebrando um ano da “vitória
da democracia”, conseguem ser mais bisonhos do que o filme.
Houve vandalismo e baderna? Sim. Havia pessoas ali que, se
tivessem a oportunidade, agrediriam autoridades federais com risco de sérios ferimentos e até morte? Provavelmente sim.
Foi uma tentativa de golpe? Não. Foi uma tentativa de golpe acima de qualquer
suspeita que justificasse prisões em massa? Certamente não.
Uma tentativa de golpe precisa de um mínimo de organização –
armas, suporte do exército, plano de tomada dos meios de comunicação e,
fundamentalmente, uma lista de pessoas a serem capturadas e mantidas sob
custódia. Uma tentativa de golpe num domingo, com os prédios públicos vazios é
realmente um mau começo.
Se realmente era um exército golpista, daria inveja a
Brancaleone: vários soldados acima do peso, com o popular “cofrinho” aparecendo,
parando a missão para postar selfies e quebrar vasos. Totalmente
desorganizados, sem máscaras para esconder o rosto, sem armas de fogo, sem
comando – mais parecidos com entrada de torcida em estádio de futebol do que
qualquer outra coisa. E, mesmo que fosse um golpe e que conseguissem tomar os
prédios públicos desertos num domingo – e daí? Nem em Andorra seria suficiente,
que dirá num país do tamanho do Brasil.
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Se um assaltante rouba o celular de uma pessoa e acessa sua
conta no Itaú, isso não é um ataque hacker conspiratório ao banco Itaú. Ninguém
sustentaria algo tão ridículo. Mas é mais ou menos essa a desproporção da
narrativa de “golpe” de 8 de janeiro de 2023.
Sim, a narrativa de golpe é bastante conveniente. Ela ajuda
a manter o ambiente polarizado e cria espaço para a proposição de medidas que
limitam liberdades individuais. Qualificar como conspiração os atos de vandalismo virou força do hábito. Assim como tachar toda e qualquer medida restritiva de
fascismo, criando algumas situações tão esdrúxulas que os livros de História se
contorcem. Um exemplo? Diminuir o tamanho do estado = fascismo... hein?. E nessa
mesma comédia distópica, "a vitória da democracia sobre o golpe" fomenta
cassação de liberdades individuais, prisões políticas e inquéritos
intermináveis sobre "crimes" não-tipificados. Enganou-se Woody Allen: nem uma
produção “B” de televisão seria capaz de capturar tanta aberração.
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O ministro Alexandre de Moraes veio a público afirmar, num
depoimento quase psicodélico, que havia um plano para enforcá-lo, sendo que –
no dia da deflagração do suposto golpe – ele estava em Paris. Ou os vândalos tinham uma unidade
avançada na França, ou erraram a data da invasão a Brasília ou então fica difícil
de acreditar. Qualquer blogueiro ou jornalista (espécie em extinção) que
suscitasse uma hipótese tão improvável sobre qualquer tema político seria
instado pelo próprio ministro a apresentar provas em 48 horas. O ministro falou
sobre o suposto plano, sobre a participação de forças especiais e não
apresentou qualquer comprovação disso.
O próprio timing
dos golpistas e do exército traidor seria a maior expressão de incompetência da
história universal dos golpes. Lula foi declarado vencedor das eleições em 30
de outubro de 2022 e tomou posse em 1º de janeiro de 2023. Por que os golpistas
e Bolsonaro (o pai de todos os males e, portanto, “mentor” do golpe) esperariam
DOIS MESES para tomar de assalto o país? Por que esperariam que o novo
presidente assumisse o controle das Forças Armadas para OITO DIAS depois
fazerem a investida? Nem Woody Allen imaginaria tamanha tosquice.
A hipótese sustentada é tão infantil quanto o popular jogo
da forca. Mas já virou hábito.
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Lula, por sua vez, não deixou por menos. Disse que “não se
pode perdoar aqueles que atentam conta a democracia”. Certíssimo. Faltou explicar
o porquê de sua amizade com o falecido Hugo Chávez, sua admiração por Fidel
Castro (mais de 50 anos no poder, zero votos obtidos), sua proximidade de
Daniel Ortega e a vexaminosa recepção oficial ao ditador Nicolás Maduro há
menos de um ano. Esses seriam democratas?
Ah, esperem... Segundo Lula “democracia é um conceito
relativo”, foi o argumento que ele usou para maquiar seus amigos como caras “do
bem”. Mas, se o conceito é relativo, então também não se pode atentar contra a
democracia: classificar um ato como “antidemocrático” torna-se, segundo a
cartilha lulista, relativo e discutível. Não havendo crime definitivo, não há o
que se perdoar e o discurso de Lula cai por terra. Em última análise: por que
mesmo o ato de um ano do golpe se é tudo relativo?
(Parênteses – Se democracia é um conceito relativo, a
patética “carta pela democracia” pleiteava qual matiz de democracia?)
Para Lula, não há perdão para algo que ele mesmo define como
relativo, mas ele e sua trupe defendem a saidinha de Natal para assassinos com
múltiplas condenações no currículo – uma espécie de perdão para criminosos
menos perigosos, afinal não são golpistas. A saidinha acaba sendo de Natal,
Carnaval, Páscoa e São João, porque esses coitadinhos simplesmente não retornam
ao cárcere e voltam a matar cidadãos inocentes, pais de família e até
policiais. Já para os presos políticos não há indulto, não há individualização das
ações e, ultimamente, não há aplicação de justiça.
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O ministro Alexandre de Moraes ainda declarou que quem
comemorasse o 8 de janeiro estaria cometendo um crime, pois não se comemoram
golpes. Pelo que consta oficialmente, temos no Brasil dois feriados nacionais
que celebram golpes – Tiradentes (21 de abril) e Proclamação da República (15
de novembro). Aliás, golpes são celebrados mundo afora. A queda da Bastilha na
França (14 de julho) e a Revolta dos Cravos em Portugal (25 de abril) são
apenas alguns exemplos.
Tiradentes queria a independência do Brasil, uma insurgência
contra a Coroa Portuguesa – esse sim terminou enforcado. Sua coragem pavimentou
o sentimento nacionalista e foi premiada com o feriado. Não há feriado para
Joaquim Silvério dos Reis.
A Proclamação da República, por sua vez, foi um golpe
militar (os dois primeiros presidentes foram marechais), misógino (a herdeira
do trono era uma mulher), xenófobo (o marido da futura imperatriz era francês e
havia o temor de ele ser a eminência parda do 3º Reinado) e escravagista (uma
retaliação à proclamação da Lei Áurea). Ainda assim, comemora-se a tomada de
poder com um feriado nacional.
Certamente o ministro não é tão inculto. Sozinho, ele vai se
enforcando com seu hábito e sua obsessão pela narrativa.
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Quando o Brasil é pejorativamente chamado de “Bananil”, não
estamos fazendo jus às várias repúblicas das bananas mundo afora (ou de outrora).
Nessas republiquetas, não há esse teatro todo de mídia independente, divisão de
poderes, inquéritos plurianuais, “estado democrático de direito”, sabatinas para
candidatos à suprema corte. É uma pessoa que manda e pronto.
As instituições brasileiras estão virando pó, mas não temos coragem de enterrá-las de uma vez por todas. E, assim, vamos vivendo numa realidade muito mais cômica do que Woody Allen seria capaz de imaginar.
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