Geurocídio Americano

 

(Por: Mariano Andrade)


O livro “Genocídio Americano” do brasileiro Júlio José Chiavenato foi publicado em 1979 durante o regime militar. A obra lançou um novo olhar sobre a Guerra do Paraguai, sendo aplaudida por alguns historiadores e acadêmicos, mas causando um baita incômodo ao governo brasileiro

Chiavenato retratou os heróis militares da campanha brasileira como executores de crianças e mulheres ou perpetradores de outras atrocidades, inclusive Duque de Caxias e Conde D’Eu. Segundo o texto, o Brasil teria exterminado 70% da população masculina adulta do Paraguai para impedir que o país empreendesse novas campanhas militares num futuro próximo. E, para arrematar, o autor afirma que o exército brasileiro propositalmente espalhou a bactéria da cólera nos mananciais paraguaios, ou seja, lançou mão de ofensivas biológicas.

Fora dos campos de combate, segundo o texto, a guerra teria sido engendrada pela Inglaterra, que temia a formação de potências navais na América do Sul. O Paraguai tinha uma economia pujante e organizada, e, caso lograsse obter a saída para o Atlântico através dos embates nas províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes, seria uma ameaça à hegemonia britânica.

Alguns críticos ao livro alegam que Chiavenato baseou-se em propaganda paraguaia e fontes viesadas para criar sofismas. De fato, o autor viveu no Paraguai durante algum tempo e utilizou relatos de ex-soldados e outras fontes não-verificáveis na construção de sua narrativa.

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Em 2021, um novo genocídio americano foi empreendido pelo Brasil, desta vez sem armas. Tratou-se da Copa América, torneio de futebol que seria disputado na Argentina e acabou sendo sediado no Brasil. A Argentina desistiu da realização do torneio por conta da covid-19 e o Brasil apresentou-se como interessado.

A reação de membros da imprensa, da esquerda e da oposição ao governo foi ridícula e histérica: “é mais um genocídio”, “precisamos de vacinas, não de futebol”, “é um tapa na cara”, “quantos vão morrer por conta do futebol?”, e por aí vai. Detalhe: os jogos seriam disputados sem público e seguindo todos os protocolos sanitários que já são empregados nos torneios em curso no Brasil.



Ou seja: Brasileirão, com 380 jogos na série A (e mais 380 na série B, etc), disputado em estádios espalhados por todo o Brasil, pode. Libertadores, com viagens internacionais, também pode. Mas Copa América, com apenas 10 seleções participantes e 5 cidades-sede, todas no mesmo país, é genocídio. Será que precisa do VAR?

A politização de todo e qualquer assunto em torno de "Bolsonaro x oposição" tomou uma proporção absolutamente idiótica. É patético ver pessoas bem instruídas e normalmente moderadas (não inclui Casagrande) sustentarem a imbecilidade e o absurdo de que a Copa América é uma irresponsabilidade sanitária, mas que os demais torneios em curso não são. Ou tornaram-se débeis mentais ou são meros fantoches de uma polarização política vergonhosa, deletéria e infantil.

Tornamo-nos tão subdesenvolvidos quanto Honduras e El Salvador e sua “Guerra do Futebol”? A deles durou apenas 100 horas, a nossa polarização desenfreada já dura longos e longos anos.

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Trágico e cômico andam lado a lado. Enquanto o SBT transmitia o genocídio americano, sem público e, portanto, com poucas “vítimas” diretas, a Globo mostrava a Eurocopa.

A Eurocopa, pasmem, teve 11 cidades-sede em 11 países diferentes. Pior: com torcida. O que se viu na televisão foram torcedores aglomerados e a maioria deles sem máscara. Muitos desses torcedores viajaram para acompanhar a seleção de seus países em outras cidades. A Globo monitora o uso de máscara dos membros do governo sem trégua, mas foi incapaz de apontar os riscos sanitários da combinação predominante na Eurocopa – aglomerações, deslocamentos internacionais e ausência da máscara. Onde estavam Casagrande, Bonner, Maju e companhia?

Há vários vídeos e imagens na internet mostrando as aglomerações em Londres no dia da final do torneio. É mais provável que algum brasileiro contraia a covid-19 por conta dos tumultos londrinos do que pelo “genocídio” praticado na Copa América.




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Abaixo do equador, a Argentina sagrou-se campeã do torneio, derrotando o Brasil numa final chata e sem brilho. A comemoração dos argentinos respeitou o distanciamento social, o uso de máscaras e o cuidado com a aplicação do álcool em gel, como mostram as imagens abaixo. Um exemplo de coerência e uma lição aos genocidas brasileiros.



Nota-se que a observância da segurança sanitária foi tão exemplar quanto no velório de Maradona. Continuam gostando de gols de mão por lá – a regra é lockdown, mas uma escapadinha vale.

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A recente temporada de torneios continentais foi quase uma reconstituição histórica. Tivemos Brasil, Argentina e Inglaterra como protagonistas. Só faltou o Paraguai nessa peça tragicômica: foi eliminado nas quartas-de-final e não participou do ápice da trama.

 

(P.S. O episódio da Copa América conseguiu ser ainda mais ridículo. Os jogadores da seleção brasileira cogitaram não disputar o torneio se ele fosse realizado no Brasil. Ou seja, o sujeito é convidado para representar seu país – Estado, ou melhor, nação – mas coloca a honraria abaixo de uma questão política e circunstancial – governo. Mas o enredo é ainda pior: o ultrapassado técnico Tite declarou que “acataria a decisão do grupo”. Esse é realmente um "líder" esclarecido! O verdadeiro “gEUROcídio” ocorrerá na Copa do Mundo do Catar, quando os europeus vão mostrar aos pífios selecionados sul-americanos que futebol é futebol, e política é política – misturar as duas coisas leva à derrota no campo e ao atraso na economia, no bem-estar social, no debate político e na contagem de neurônios.)




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