Errando de Noronha

 (Por: Mariano Andrade)


Fernando de Noronha é um lugar lindo – não há discussão sobre isso. Tendo visitado a ilha algumas vezes, não posso deixar de recomendar para aqueles que gostam de praia e natureza. Ponto final nesse tema.



É uma pena que Noronha  a despeito de ter natureza exuberante  seja um exemplo “livro-texto” de má experiência de turismo, falta de transparência no uso de dinheiro público, sectarismo e Lei de Gérson, aquela que diz que devemos tentar levar vantagem em tudo. Pude constatar esse tanto em uma recente visita.

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 O turismo em Noronha é extremamente sectário. Uma família de quatro viajantes que queira passar uma semana na ilha tem que desembolsar cerca de R$ 3000 somente em taxa de preservação ambiental e acesso ao parque marinho (este último é opcional, porém abrange as melhores praias da ilha). Isso sem falar em custos de hospedagem, passagem aérea, alimentação e transporte. Qual o percentual de famílias brasileiras cujo orçamento de férias consegue alcançar o custo Noronha? Certamente ínfimo, donde se conclui com assertividade que o turismo em Noronha é sectário socialmente. O “S” do ESG passa longe.

Detalhe – o ingresso ao parque marinho é uma inovação recente. Basicamente, loteou-se a ilha em praias públicas e não-públicas. Dá-lhe “S”.

Ainda sobre as taxas – há sentido em um visitante pagar taxa de preservação ambiental que monta a cerca de R$ 600 por pessoa para uma semana? Aqui não se questiona a necessidade de preservar a natureza e a biodiversidade, mas sim a aplicabilidade e a magnitude da taxa. Há municípios que também cobram uma taxa diária dos hóspedes em hotéis (detalhe: em Noronha você paga mesmo que vá para uma casa de um familiar) – o que faz algum sentido pois a população pendular acaba por demandar mais serviços de coleta de lixo, gera mais esgoto, e por aí vai. Porém a desproporção entre o valor da taxa ambiental cobrada em Noronha pelo governo de Pernambuco e as taxas municipais comumente praticadas em outras localidades brasileira ou é injustificada ou embute uma premissa de que o ser humano produz 5x mais lixo e esgoto em Noronha do que em outro local qualquer.

Além disso, é questionável se o turista (ao menos o brasileiro) deveria pagar pela preservação do ambiente. Vejamos – se não houvesse turismo por qualquer motivo (exemplos: fechamento do aeroporto para obras, pandemia), não haveria receita para preservar o ambiente e então deixa de ser uma prioridade. Bem, se há dinheiro de reserva para essas eventualidades, isso reforçaria o ponto de que o valor é excessivo, pois supera os custos correntes. Se não há dinheiro para a época de vacas magras e, ainda assim, o custo de profissionais e estruturas de preservação ambiental são honrados, a conclusão é que a preservação é uma obrigação ordinária do governo estadual. Se é uma obrigação ordinária, por que há uma cobrança adicional? Os impostos que os brasileiros pagam a nível federal (que geram repasses ao governo Pernambucano) bem como os impostos estaduais pagos pelos moradores de PE já compõem arrecadação para fazer frente a, dentre outras obrigações do estado, a preservação ambiental e – bingo! – Fernando de Noronha está incluso neste pacote.

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Sobre o “G” do ESG – a governança passa longe. Não há transparência alguma sobre o uso dos recursos arrecadados dos visitantes de Noronha. Até por isso, o arquipélago ora parte de PE é disputado por outros estados como RN. Há parlamentares que já questionam a transparência do uso de recursos, como mostra o link abaixo.

https://www.alepe.pe.gov.br/2022/03/30/priscila-krause-quer-avanco-de-pl-sobre-transparencia-na-gestao-de-noronha/

Se o leitor der um google “Fernando de Noronha taxa de preservação ambiental transparência” não vai encontrar muita coisa. Na maior parte dos links há a lei que instituiu a cobrança e/ou links para pagamento antecipado para quem deseja visitar.

Dinheiro, afinal, não tem carimbo.

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O “E” do ESG também é suspeito em Noronha, apesar de toda a preocupação de se preservar a natureza. O combustível que abastece a ilha viaja de barco, veículo este que por seu turno gera emissão de carbono. Ao chegar ao porto, o combustível é transportado ao único posto de abastecimento da ilha e para a usina térmica, o que gera mais consumo de energia. A térmica gera eletricidade queimando o combustível que lá chega a duras penas e, pasmem, parte da eletricidade é usada para recarregar baterias de carros elétricos. Será que os ambientalistas não aprenderam que, quanto mais processos de transformação, maior o volume de perda energética?

Já se estudou a instalação de geração eólica, que poderia complementar as captações solares existentes atualmente. A ilha teria uma geração mais limpa e, se atingir 100% de geração renovável, faria sentido a predileção por carros elétricos.

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A má experiência é completada por outros fatores. Em Noronha, tudo é precificado a patamares de Suíça – é certo que as mercadorias têm que embutir um custo de frete alto e inevitável. Porém, a alimentação é caríssima e de qualidade mediana, mesmo em restaurantes recomendados. Paga-se muito caro pelo que se recebe. Se o preço “tem que ser” alto por fatores geográficos, que a ilha se preocupe em entregar experiência condizente (a partir de treinamento e capacitação) e, paralelamente, tente otimizar o transporte de forma a diminuir o custo.

Além do quê, há certos limites do razoável. Uma jarra de suco R$ 90 no quiosque da praia? O aluguel de um guarda-sol R$ 100? (detalhe: o guarda sol só viaja de barco uma vez, é um bem durável). Exemplos abundam.

Um local onde os preços são exorbitantes não conta, por exemplo, com uma drogaria com bom sortimento de medicamentos. Há duas farmácias na ilha com estoque bem limitado. Na necessidade de um antiviral ou antibiótico específico, o visitante ficará à deriva.

O sinal de celular é outro fator que beira o ridículo. Funciona muito mal e intermitentemente. Quando chove, cai tudo, internet e voz, a ilha fica incomunicável. Qualquer nação que vislumbre invadir Noronha deveria fazê-lo durante uma tempestade, pois o continente brasileiro só ia tomar ciência quando a chuva passasse e o sinal de celular fosse restabelecido.

E a cereja no bolo é a Lei de Gérson versão Noronha, materializada pelas blitzes de lei seca na ilha. Isso mesmo! Lei seca em Noronha, local hipercastigado por acidentes de trânsito. Quanto às blitzes, não é piada, elas acontecem diariamente. Detalhe: os policiais só testam os turistas. Deve ser porque os ilhéus são abençoados pelos deuses do oceano que os libertam do perigo de causar acidentes de trânsito.

Estando no Brasil, podemos imaginar o objetivo arrecadatório “caixa-dois” da sanha de blitzes na ilha. Se o governo fosse sério, gastaria esforços em fiscalizar os bugres de aluguel que circulam na ilha, muitos em situação deplorável (sem limpador de para-brisa, sem farol) ou em melhorar as condições das pistas, fatores que, estes sim, podem fazer diferença no risco de acidentes de trânsito.

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Resultado? Em 2019, pré-pandemia, Noronha atingiu a incrível marca de 1976 visitantes estrangeiros. Isso mesmo, menos de dois mil. Os estrangeiros, normalmente com poder aquisitivo maior do que os brasileiros, já devem ter informações de que a infraestrutura é pífia. Dos mais de 6 milhões de estrangeiros que visitaram o Brasil em 2019, apenas um punhado deles optou por incluir Noronha no roteiro.

https://www.noronha.pe.gov.br/fernando-de-noronha-apresenta-fluxo-turistico-de-2020-2/

Para comparar com uma nação insular de área também diminuta, há o exemplo de Bermudas. A área é maior do que a de Noronha, mas ainda assim bem pequena. Bem, Bermudas recebe cerca de 700 mil turistas por ano. Claro que a comparação deveria ponderar fatores como facilidade de acesso, população insular e outros, mas aqui o objetivo é mostrar a desproporção dos resultados e o potencial de turismo e renda não-endereçado.

De erro em erro, Noronha nunca atingirá sua plenitude econômica, ambiental ou social.

 

Comments

  1. É como se Búzios fosse longe pra cacete, deve ficar legal em uma orgia com atrizes da Globo, de resto...

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