"Faz o V"

 (Por: Mariano Andrade)


O filme “V de Vingança” de 2005 conta a história de uma Inglaterra distópica, vivendo sob um regime totalitário e fascista que sufoca as liberdades individuais.  O protagonista “V” é um carismático revolucionário defensor da liberdade – “V” arregimenta cidadãos dispostos a atacar o regime, sendo o plano máximo explodir o parlamento.

A trama original vem de uma história em quadrinhos, por sua vez baseada em fatos reais: a Conspiração da Pólvora de 1605, na qual o soldado católico Guy Fawkes arquitetava explodir o parlamento (com barris de pólvora) e matar o rei protestante.

O protagonista de “V” usa uma máscara inspirada na fisionomia de Guy Fawkes, sendo que ao final do filme todo o séquito de “V” aparece com a mesma máscara e preparado para o combate.



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Lula recentemente declarou o seguinte (sic geral de antemão, sabemos que o "V" certamente não é de "vernáculo"):

“(...) Como eu tinha inocência, uma coisa que eu tinha muito orgulho (...) e tava três ou quatro procurador e perguntava 'tudo bem?’. 'Não tá tudo bem, só vai tá bem quando eu foder esse Moro' (...) é quando eu falava assim ‘eu tô aqui para me vingar dessa gente’ (...) eu falava todo dia”. 

A declaração é inconcebível e impensável. Especialmente para alguém que pretende “unir o país” sob o ridículo mote “o amor venceu”. Mas, sobretudo, trata-se de um chefe de governo admitindo que sua agenda é pessoal, a despeito das obrigações republicanas de seu cargo.

Replay: um presidente confessando que sua agenda é pessoal e que o objetivo é vingança. Pode isso, STF?

Imagine a declaração sendo proferida ipsis litteris por qualquer político de direita, apenas substituindo “Moro” por “Lula” – a imprensa ia cair de pau, mas Lula tudo pode. Mesmo diante de um momento dos mais infelizes de toda nossa História republicana, a imprensa se cala.

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Depois das falácias propaladas durante a campanha eleitoral, essa deve ser a primeira declaração genuína e honesta de Lula – ele está lá para se vingar. Diferentemente do filme “V”, a máscara era na campanha, compunha a indumentária de salvador da pátria armado de picanha e cerveja, mas agora ela caiu. Seu séquito também baixa suas máscaras, mostrando lealdade incondicional a um líder tóxico enquanto auferirem benesses para si.

Tal qual em “V”, a narrativa era (e ainda é) que o Brasil estava sob um governo fascista e que precisávamos nos libertar. Muitos caíram na propaganda e compraram a ideia de que Lula era o “mal menor”, apesar de seu longo histórico de malfeitos. Goebbels estaria orgulhoso.

Pós-eleição, a narrativa continua sendo alimentada pelo bordão “herança maldita”. O dito governo fascista não só aumentou as liberdades individuais (PIX, MEIs, digitalização da economia, marco do saneamento) mas também registrou lucro recorde nas estatais e conseguiu reduzir desemprego. O tal governo distópico alcançou a proeza de reduzir impostos e, ainda assim, aumentar a arrecadação. Contudo, a “herança maldita” foi amplamente repetida pela paquidérmica equipe de transição e segue populando discursos de vários ministros.

Mas a fala de Lula – mesmo tirando a palavra “foder”, como ele pediu aos entrevistadores – joga luz sobre as decisões que ele vem tomando desde 1º de janeiro. Agora, sabedores de que a função-objetivo do governo é a vendeta, fica fácil juntar as pontas: Lula quer desfazer tudo que seus antecessores “golpistas” e “opressores” implementaram. Se isso é bom ou ruim para o povo brasileiro, não importa.

Desligar as bombas da transposição do São Francisco? Onerar novamente os combustíveis? Limitar juros do consignado, com a consequência de tornar o produto inviável e secar a oferta? Acabar com o saque aniversário do FGTS? Ameaçar rever o marco do saneamento, que viabilizou vultuosos investimentos para levar água e esgoto (e, por tabela, saúde e cidadania) a milhões de famílias Brasil afora? Suspender a venda de ativos da Petrobrás, vendas essas que geram produtividade e emprego? Bradar incessantemente contra a independência do Bacen, gerando insegurança e juros longos mais altos? Reajustar o mínimo em patéticos R$ 18,00?

É tudo de maldade e vaidade ímpares. Lula quer se vingar por não ter havido paralisação e comoção nacionais quando foi preso. Se no filme o protagonista queria “fazer o V” pelo bem comum, aqui a vingança tem caráter personalíssimo e traz incontáveis mazelas para a sociedade, Lula sabe disso, mas não poupa o povo brasileiro. A vida não repete o filme.

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Lula recompensa aqueles que o apoiaram com polpudos cargos públicos, sem qualquer critério técnico e sem qualquer censura. Imaginem se fosse Temer ou Bolsonaro nomeando esposas de ministros para cargos vitalícios. Bolsonaro ventilou nomear seu filho para embaixador (uma piada de mau gosto) e gerou um baita burburinho. Agora, nada acontece.

Os irmãos Batista, aqueles que relataram repetidos esquemas de propina em sua delação premiada, farão parte da comitiva presidencial em viagem oficial à China. Imaginem se fosse Luciano Hang integrando comitiva do governo anterior? Ou um político de direita usando jatinho da FAB para compromissos pessoais?

Lula está mais atrevido e desvairado do que nunca. Um sujeito que nunca estudou, que não entende xongas de economia, se dá ao desplante de dizer que os livros de economia estão ultrapassados. Na mesma onda, Lula afirmou algo na linha de que “não há evidência de que a independência do Bacen tenha trazido benefícios para este país” – não há realidade contrafactual para testar a hipótese e, mesmo que houvesse, não teríamos ainda tempo suficiente para ter relevância estatística. Lula, o próprio, não entenderia este parágrafo, mas é curioso que economistas e estatísticos não protestem diante de falas tão estapafúrdias e desqualificadas.

São tantas declarações, nomeações e decisões alopradas que mais parece fim de governo, embora não tenhamos completado nem 3 meses. Faltam longos anos de vingança, a sociedade que se prepare.

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Os eleitores de Lula que tiverem algum resquício de honestidade intelectual deveriam se perguntar: qual governo era mais afeito a opressão e tirania, o atual ou o anterior? Qual é o mal menor?

Esses mesmos eleitores deveriam se perguntar se, de fato, fizeram o “L” ao votar. Se tivesse sido o “L”, estaríamos no lucro. Por ora, vamos de “V” mesmo – e não é de vitória.

 


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