(Por: Mariano Andrade)
Em tempos
de troca de ministro da fazenda, com a escolha para o posto agraciando um
aspone do governo federal com perfil desenvolvimentista (leia-se perdulário), o
risco de o ajuste fiscal ser adiado aumenta bastante. Num de seus poucos acertos
enquanto ministro, Joaquim Levy, já de saída, escreveu para Dilma que a única
forma de evitar uma hecatombe fiscal é reformar a previdência.
O problema previdenciário
é simples e conhecido. Diversos países e empresas já o vivenciaram: à medida
que as pessoas vivem mais tempo e as taxas de natalidade caem, a poupança dos
mutuários na ativa torna-se incapaz de financiar os benefícios correntes dos
aposentados. Se o sistema não for bem equacionado, o desequilíbrio cresce de
forma exponencial e quebra o patrocinador: não se trata de futurologia e sim de
álgebra. Dilma e petistas podem dizer o que quiserem, mas 2 e 2 ainda são 4.
No Brasil,
há alguns agravantes. O sistema previdenciário brasileiro é do tipo “pay as you go”, o que significa que não
há um fundo de recursos para cada contribuinte – é um sopão de arrecadação que
é administrado pelo governo. Ou seja, o risco de mutuários novos e antigos é
fungível, está todo mundo no mesmo barco (furado) do INSS. No sistema “pay as you go”, o benefício é pago se o
governo federal administrar bem suas finanças e tiver recursos disponíveis.
Todos são credores quirografários do estado, não há o conceito de “fundo de
aposentadoria” ou de “economias da vida”.
Além disso,
o Brasil adota o modelo de benefício definido (i.e. formulaico) e, para
adicionar insulto à injúria, tais benefícios são indexados à inflação. Neste sistema,
todo o risco de fatores demográficos e de rentabilidade de investimentos é
absorvido 100% pelo patrocinador, e 0% pelo mutuário O modelo de benefício
definido é uma bomba-relógio, como já concluíram diversos países e companhias
patrocinadoras de programas de previdência. Mas a pátria educadora não aprende.
Como o
governo administra (muito) mal os recursos arrecadados, não poupa e não gera
riqueza, a massa de benefícios devidos cresce muito mais rápido que os recursos
disponíveis, pois inflação e longevidade superam a capacidade de gestão estatal
e a poupança dos mutuários na ativa. O sistema vira, portanto, um castelo de
cartas – um dia o dinheiro acaba.
Como
consertar isso? É sabido onde é necessário chegar: o Brasil precisa alterar o
sistema para um modelo “funded”, onde
os recursos contribuídos por cada mutuário são segregados e aplicados em uma
carteira de investimentos. Ao se aposentar, o mutuário viverá com a anuidade
que pode ser comprada pela sua carteira de investimentos naquele momento. Se os
investimentos tiverem ido bem, sua aposentadoria será maior. O benefício deixa
de ser definido.
Este
sistema "funded" permite que o mutuário calibre sua carteira para menor ou maior risco
dependendo de suas condições particulares, tais como patrimônio, idade,
estabilidade no emprego, e outras. A carteira pode (e deve) mudar ao longo do
tempo. E, o melhor de tudo, o governo não precisa – e não deve – se meter
nisso. É possível delegar para o mutuário a escolha do prestador de serviços
para gerir esta carteira. Os bancões adorariam se credenciar para competir por
este mercado. E, para o mutuário, seria muito melhor pois qualquer gestor de
recursos privado é mais competente que o governo. Só a corrupção sairia
perdendo.
O que
impede a migração do sistema atual para aquele necessário? O odioso “direito
adquirido”. Qualquer mexida na previdência, por milimétrica que seja, suscita
pancadarias no congresso nacional. A esquerda brada que não se pode tirar o
direito adquirido do trabalhador brasileiro, há comoção popular misturada a
enorme desinformação.
Como já
demonstrado, todos os mutuários – forçosamente – tomam hoje o risco de crédito do
governo federal, um risco que piora a cada dia com o descontrole fiscal e pela
dívida pública crescente. Então, o direito adquirido é uma falácia, pois se o
dinheiro acabar – e estamos perto disso – o direito adquirido de todos os
mutuários vai pro espaço. É como a situação de credores de uma empresa em
dificuldades: se todos exigirem 100% de seus créditos, a empresa decretará
calote e todos perdem – a decisão coletiva apropriada é abdicar de “direitos
adquiridos” e aceitar um arranjo diferente do original: receber menos, rolar a
dívida ou alguma outra combinação.
A História
mostra que não existe direito adquirido no longo prazo. Os credores
internacionais tomaram calote do Brasil na década de 80, embora tivessem
direitos contratados. Os acionistas minoritários de várias empresas brasileiras
foram lesados ao longo das últimas quatro décadas em transações de troca de controle
das quais foram excluídos de forma acintosa por vezes. Os impostos que – pela
Constituição – deveriam custear educação, saúde e segurança acabaram em
Pasadena.
Como ficam então os direitos adquiridos? Trata-se de uma terminologia
tão torta que é melhor cunhar “esquerdo adquirido”.
A evolução
das sociedades passa pelo questionamento saudável dos direitos adquiridos e sua
reformulação quando em prol do bem comum. Quantos senhores de escravos perderam
fortunas quando a Lei Áurea lhes tirou o direito adquirido sobre seus escravos?
Quantos herdeiros de tronos perderam seus direitos adquiridos com a instalação
de regimes republicanos? Exemplos abundam.
É certo que
alguns direitos adquiridos são politicamente mais fáceis de alterar do que
outros. Portanto, mesmo este governo inepto poderia (e deveria, “prá ontem”)
atacar alguns pontos que melhorariam a álgebra previdenciária. Não resolveria o
problema, mas criaria um respiro para que a próxima administração encontre um
sistema menos falimentar.
A primeira
ideia é limitar o teto de benefício por CPF. A distribuição dos benefícios por
CPF é tal que existe uma vasta cauda direita, criando uma configuração onde um
percentual pequeno dos mutuários abocanha uma parcela muito desproporcional da
massa de benefícios pagos. A solução – politicamente bastante viável – é
limitar o valor a algo como R$ 30 mil ou R$ 40 mil por mês. Isso atingiria
somente aqueles que gozam de três, quatro, cinco aposentadorias; filhas de
militares com pensão vitalícia e afins.
Outra
sugestão é estancar o problema. Isso é possível estabelecendo um sistema “funded” para novos entrantes na
previdência (de preferência com gestores privados, mediante credenciamento e com
estrutura de mercado competitivo). Isso não mexe em direito adquirido e não
deveria encontrar maior resistência dos vermelhos de plantão.
Finalmente,
até que tenhamos governo e parlamento mais alinhados com o bem-estar de longo
prazo, poderia ser proposto um sistema
híbrido para aqueles que ainda estão na ativa. Todo o direito adquirido até o
momento é mantido (argh!), mas a partir de um marco zero as novas contribuições
seriam num sistema “funded”. No
momento da aposentadoria, o benefício deste mutuário seria um híbrido entre os
sistemas novo e antigo.
Notar que
estas são ideias paliativas. A única maneira de consertar é mexer nos direitos
adquiridos. Se o leitor pensa que isso seria injusto, pense o que é melhor: ter
um “esquerdo adquirido” gerido pela mulher
sapiens que estoca vento ou ter seu patrimônio previdenciário segregado da
gastança do governo e administrado por uma instituição privada confiável?
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