À gaúcha

(Por: Mariano Andrade)

O saudoso atacante Gaúcho foi peça importante nas conquistas da Copa do Brasil (1990) e do Brasileirão (1992) pelo Flamengo. Gaúcho não tinha uma técnica apurada, mas posicionava-se bem e tinha no cabeceio certeiro sua maior arma.

No Brasileirão de 1988, Gaúcho defendeu o Palmeiras. Naquele ano, a regra do campeonato previa disputa de pênaltis para jogos terminados em empate no tempo normal, sendo que o vencedor nas penalidades ganhava um ponto extra. Foi justamente numa disputa de pênaltis entre Palmeiras e, por ironia, Flamengo – clube que Gaúcho defenderia posteriormente – que o atacante protagonizou uma de suas grandes façanhas.

Na partida, o goleiro palmeirense Zetti fraturou a tíbia e o time já tinha esgotado suas substituições. Gaúcho vestiu camisa e luvas de goleiro e foi defender a meta palmeirense no final do segundo tempo. O jogo terminou 1x1, o que provocou uma disputa de pênaltis onde Gaúcho defendeu duas cobranças e ainda assinalou o seu gol, tornando-se o herói da partida.


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Paulo Guedes começou seu mandato de Ministro da Economia como atacante e aspirante a artilheiro. Seus planos incluíam venda de estatais e ativos do governo em volume superior a R$ 1 trilhão, reforma da previdência, reforma tributária, construção de gasoduto e infraestrutura para baratear custo energético e alavancar produção, dentre outras. Tudo fazia muito sentido e, goste-se ou não de Guedes, não lhe faltam embasamento técnico, raciocínio lógico e oratória. Ouvir suas palestras era motivante, dava a sensação de que decolaríamos de vez em direção ao primeiro mundo.

O primeiro obstáculo enfrentado por Guedes foram os políticos. Nossa lastimável constituição “cidadã” dá poderes exagerados ao parlamento (e não aos cidadãos, que no fim têm participação limitada na vida política do país) e todos sabem a qualidade média de nossos congressistas. A reforma da previdência passou, mas com uma versão bastante aguada em relação àquela originalmente pleiteada pelo ministro.

As privatizações também encontraram resistência no congresso e no STF, mostrando que as instituições de cuja robustez o brasileiro costuma se ufanar na verdade não conhecem os limites de seus mandatos. Ou pior: conhecem, mas não os julgam suficientes. Harmonia entre poderes, sei... Fato é que o plano de privatização pouco andou.

Depois veio o golpe do covid-19 e do auxílio emergencial. Como num romance kafkiano, o governo federal foi responsável por arcar com o custo do “coronavoucher” mesmo tendo sido despido de seu poder de decidir sobre rumos do confinamento e das restrições às atividades econômicas. Lembrar que o trapalhão STF havia decidido que prefeitos e governadores seriam responsáveis por definir suas próprias cartilhas “pró-eleição" –  ops, ato falho, "pró-vida". Deu no que deu: um jogo político vergonhoso e nojento, uma descoordenação entre capacidade orçamentária e plano de retomada, o dólar ardendo e o país empobrecendo.

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Com o governo entrando na segunda metade do mandato e dado que nosso tosco presidente jamais consegue desligar o “modo eleição”, Paulo Guedes saiu da posição de atacante para a de goleiro, tal qual Gaúcho.

Nas atuais condições política e fiscal, será uma façanha se Paulo Guedes conseguir defender algumas “penalidades” à medida que a campanha eleitoral se avizinha. A vontade de gastar em pautas populistas aumenta e nossas contas públicas já estão para lá de esgarçadas.

Do momento em que o Congresso começa a falar em atrocidades como imposto sobre grandes fortunas, nosso goleiro tem que ficar atento. Esta é até fácil, é um pênalti batido sem força à meia-altura e quase no meio do gol: se já foi implementado na Argentina, é 100% certo de que é péssima ideia. Mas não é só essa besteira que permeia as cabeças-ocas de Brasília, o repertório é vasto e precisamos de um bom goleiro.

Infelizmente, Paulo Guedes não poderá subir ao ataque e não será neste torneio que ele se destacará como goleador.

(P.S. O ministro parece atordoado com a situação, tanto que volta e meia fala em ressuscitar a “jabuticábica” CPMF. Estaria o brilhante economista contaminado pela boçalidade do planalto central?)

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Ao final do jogo, Gaúcho obviamente foi assediado pelos repórteres, era o herói inconteste do certame. Um gaiato perguntou-lhe se era mais difícil ser atacante ou goleiro. Esperto como sempre foi, Gaúcho não quis se desvalorizar e respondeu que a posição de atacante é bastante difícil. Paulo Guedes sabe muito bem disso e daria total razão a Gaúcho, especialmente depois de ter conhecido a “defesa” adversária postada em Brasília.

Num país viciado em resolver problemas fiscais amassando os contribuintes – elevando a tributação (desde os tempos do “fiscalismo” do governo FHC) e aniquilando formação bruta de capital e crescimento – precisamos desesperadamente de um goleiro que consiga segurar o ímpeto de aumentar gastos públicos, de forma a evitar a asfixia tributária na próxima temporada.

Vai que é tua, Guedes!






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