(Por: Mariano Andrade)
Jó, personagem bíblico do antigo testamento, era um homem
com riquezas, saúde e família e que louvava a Deus por sua boa providência.
Deus resolveu testá-lo, tirando-lhe tudo. Ainda assim, Jó seguia louvando a Deus.
O Livro de Jó é um escrito sobre a aparente incongruência entre
a bondade de Deus e os sofrimentos e a provação aos quais os homens são submetidos, inclusive os homens de fé.
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Que diferença um acento faz! Jô Soares, o grande humorista e
jornalista brasileiro, encheu nossos lares de informação, gargalhadas e
sorrisos. Jô nos ajudou a superar nossas provações.
Jô retratava hábitos, preconceitos e modismos através de
seus impagáveis personagens. A cada ano, o fim de suas férias era ansiosamente
aguardado para que pudéssemos ser apresentados aos novos quadros e tipos.
Os bordões criados por Jô Soares eram a síntese de sua
genialidade. “Muy amigo”, “Tem pai que é cego...”, “Bocaaaaaão”, “Bota ponta,
Telê!”, “Não vai ter mulher pelada?”, foram alguns de um acervo infindável.
Muitos quadros criados por Jô seguem extremamente atuais. O personagem Reizinho, por exemplo, cujo
refrão era “nesse solo que eu piso, desse povo que eu amo, quê que eu sou?”, às
vezes se confundia e bradava “nesse povo que eu piso”. Jô caracterizava, com
inteligência e humor, o quanto os governantes brasileiros massacram seu povo –
nada mudou.
A ida de Jô para o SBT criou um novo formato de
entretenimento na TV brasileira, o talk-show. O “Jô Onze e Meia”, porém,
nunca começava às 23h30. O chefe Sílvio Santos bagunçava o horário da grade sem
pena, lançando mão de desenhos do Pica-Pau, Tom & Jerry ou Pantera Cor-de-Rosa
até as novelas da Globo acabarem.
Mesmo assim, o sucesso do “Jô Onze e Meia” foi tanto que a
emissora acabou descontinuando o programa humorístico semanal para que Jô se
dedicasse integralmente ao novo formato, que vinha produzindo entrevistas memoráveis
com cidadãos incógnitos. Em um mundo que cada vez mais cultua personalidades, Jô
Soares mostrou aos brasileiros que cidadãos normais fazem coisas interessantes,
e que podem ser engraçados, inovadores, inspiradores e – sobretudo – incomuns.
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Jô também sabia falar sério quando necessário. Batia forte
na censura e proferiu um discurso seminal na edição do Troféu Imprensa de 1987.
Mais recentemente, Jô Soares lamentou que o PT tenha enganado o eleitor
brasileiro com a propaganda de que ia “limpar a política no país”.
No mesmo vídeo, Jô se mostra de uma nobreza bíblica,
afirmando que pela profissão de jornalista, entende inapropriado apoiar
políticos ou partidos, a ponto de sacrificar seu direito de votar. Jô ensina
que é mais importante preservar a isenção na coleta, interpretação e divulgação
das informações. A fala de Jô é como uma cajadada que divide as águas do bom e
mau jornalismos.
E, mesmo quando Deus testou sua fé e lhe tirou seu único filho
em 2014, Jô Soares enfrentou o luto com elegância e sobriedade. A perda não lhe
tirou a vontade de trabalhar e nem a alegria de exercer sua arte.
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Jô, seria muito bacana poder te devolver o mundo que lhe foi
tirado. Uma sociedade que julgasse menos, que não “cancelasse” as pessoas por
não concordarem com elas, que não fosse tão maniqueísta. Jô, falta à opinião
pública hoje o discernimento para separar a obra do artista – seus personagens mulherengos
jamais lhe levaram a pecha de misógino – você teve sorte de fazer humor na
época certa, e nós – fãs – também.
Se houvesse um “Livro de Jô”, ele poderia ser assim: A obra de Jô trouxera riqueza de espírito, reunira famílias e dera a
todos mais saúde para enfrentar os inevitáveis percalços da vida. Porém, Jô
seria testado por uma sociedade implacável e vigilante, pela obrigatoriedade de
ser politicamente correto, por acusações de “apropriação de cultura”, homofobia,
misoginia, xenofobia, e outras mais. Mas, ao final, Jô venceria e a sociedade recuperaria
a leveza perdida, podendo usar o humor livremente e na medida certa, além de celebrar o cidadão (in)comum.
Afinal, o Gordo sempre estará no meio de nós.
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