Jamaica abaixo de zero

 

(Por: Mariano Andrade)


“If you’re white and you’re wrong, then you’re wrong; if you’re black and you’re wrong, you’re wrong. People are people. Black, blue, pink, green—God makes no rules about color; only society makes rules where my people suffer, and that's why we must have redemption and redemption now.” (Bob Marley)


O excelente filme “Jamaica abaixo de zero” de 1993 é baseado na trajetória da equipe jamaicana de bobsled (trenó) nos jogos olímpicos de inverno de 1988. Embora o roteiro seja apimentado com várias passagens que não aconteceram na realidade, ele é eficaz em retratar o valor do espírito esportivo.

O conjunto jamaicano jamais foi aos jogos com a expectativa de vencer – ao contrário, o desejo era participar, competir, pertencer. Não havia na Jamaica qualquer cobrança por uma boa campanha ou imposição social para que todos apoiassem a equipe ou o bobsled enquanto esporte.

O “abaixo de zero” era somente a temperatura em Calgary, sede da competição. A mensagem é nota 10: não são necessariamente os vencedores que fazem história, mas sim aqueles que competem com paixão.

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A seleção feminina de futebol do Brasil foi eliminada do mundial após empatar em 0x0 com a Jamaica. A atuação brasileira foi de dar dó, merecia inclusive ter perdido a partida em um dos muitos contra-ataques que proporcionou às jamaicanas. O desempenho brasileiro, esse sim, foi abaixo de zero.

Ao final do jogo, houve o tradicional choro em campo: jogadoras deitadas, com as mãos sobre o rosto e chorando copiosamente. Narradoras e comentaristas ecoaram o mimimi, “Brasil sai muito cedo”, “a técnica demorou para mexer”, “não temos investimento” e por aí vai. Nesses aspectos, já ficou igualzinho a quando os homens são eliminados: falta reconhecer que o time não era bom o suficiente, ou que o adversário competiu com mais paixão e mais preparo.

O choro em campo é uma dissonância cognitiva – a julgar pelo pífio futebol apresentado contra França e Jamaica, e a limitada atuação contra o fraquíssimo Panamá, o time brasileiro não tinha nenhuma chance na competição. Por que é tão difícil para os brasileiros admitir esse tanto no futebol? Não há a mesma cobrança para com nossas equipes de hóquei sobre a grama, polo aquático, baseball e outras modalidades, sejam masculinas ou femininas. E também não há choro dramático após a eliminação nesses esportes, as (baixas) expectativas estão corretamente alinhadas e, dessa forma, os atletas podem aprender com a derrota e buscar aprimoramento. Mas nunca no futebol, afinal somos o país da bola...

... Somos mesmo? Na copa do mundo masculina, após o título de 2002, só fomos às semifinais uma única vez, sendo então massacrados pela Alemanha diante da nossa torcida. No torneio feminino, em nove participações, o Brasil chegou às semifinais em apenas duas edições (1999 e 2007). Certamente temos tradição, em ambas as modalidades participamos de todas as edições e já tivemos boas equipes – mas isso não quer dizer favoritismo ou chances reais de triunfo em qualquer competição.

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A lacração powered by Globo talvez tenha instigado na equipe a ilusão de que tinham um bom time. A urgência em se igualar aos homens em termos de interesse e mobilização social, a necessidade de fazer da copa feminina uma bandeira sócio-política talvez tenham subido à cabeça do time. Ainda mais depois de se prestar ao ridículo papel de receber Lula e Janja, automaticamente virando panfleto de propaganda da mais duvidosa qualidade.

 


O interesse em uma modalidade esportiva não nasce com questão do Enem, não brota de lacração ou imposição à sociedade. Se não há interesse, não é porque a sociedade é malvada, fascista ou preconceituosa – senão, qualquer jogador brasileiro de baseball masculino poderia também formular a mesma queixa. O interesse depende de um ciclo virtuoso de investimento, incentivos, boa estrutura de base, bom desempenho desportivo, bom comportamento dos atletas fora de campo. Lacração de 4 em 4 anos e assunção de posição política polarizada não só não dão conta do recado, mas são baitas gols-contra.

(Nota: A eterna reclamação de Marta com os patrocinadores, mesmo quando HÁ patrocinadores, certamente ajuda a afastar o investimento que ela tanto gosta de cobrar.)

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E é possível PROVAR que foi lacração.

O time jamaicano teve uma patrocinadora não-oficial: a filha de Bob Marley contribuiu financeiramente para viabilizar a equipe. No Brasil, as celebridades contribuíram somente com posts, como de hábito – reclamam da falta de apoio ao futebol feminino, mas são incapazes de dar o exemplo mexendo no próprio bolso, agora bem recheados pelas verbas petistas.

Na noite de 26 de julho, horário de Brasília, houve a partida Holanda x EUA, reedição da final da copa do mundo feminina de 2019. Praticamente no mesmo horário, aconteceu a partida de ida Grêmio x Flamengo, válida pelas semifinais da Copa do Brasil. Alguns canais transmitiram a partida local, mas NENHUM cobriu a disputa feminina. A Globo dispõe de um canal aberto e três Sportvs – o canal aberto rodava a grade regular e os três Sportvs ignoravam solenemente a copa feminina.  De novo: era a reedição da final feminina de 2019 – Qual a probabilidade de nenhum canal global transmitir Argentina x França na próxima copa masculina? Hipocrisia, a gente vê por aqui.

A Disney, empresa mega-híper-giga ESG, também conta com vários canais ESPN. Tal qual a Globo, optou por não transmitir a partida Holanda x EUA, preferindo veicular esportes masculinos no horário da partida. É a magia da lacração.

Será que Lula vai receber as jogadoras em Brasília? Ou fazer uma cerimônia oficial para agradecer a Marta pela sua dedicação de seis copas? Até agora, Lula limitou-se a postar (ou seu ghost-writer), tal qual os artistas hipócritas que costumam apoiá-lo: “lamento a eliminação”, e PT-saudações. Isso depois de declarar que só assistira ao primeiro tempo da estreia brasileira porque “havia muitas mulheres na sala, só eu de homem, resolvi me mancar”.  Por analogia, uma mulher deveria se mancar e se furtar a assistir a um jogo masculino numa sala só com homens. A analogia seria uma situação flagrante de sexismo ou até misoginia, mas a original lulista é só a mais pura expressão do tipo de amor que venceu.

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A Jamaica acabou sendo eliminada pela Colômbia nas oitavas-de-final, em partida que teve diversos lances importantes no segundo tempo. As jamaicanas tiveram boas chances para conquistar o empate no tempo normal e levar o jogo para a prorrogação. Mas o importante é que a equipe superou as expectativas, apresentou um jogo competitivo e agora – depois do fato – cobra maior apoio da federação jamaicana.

Jamaica acima de 10: tudo na devida ordenação causal e temporal, fazendo história mesmo sem vencer. 


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