(Por: Mariano Andrade)
O talentoso
compositor Humberto Gessinger devia estar inspirado pelas autobans
quando compôs os versos da canção Infinita Highway: “Cento e dez, cento e vinte, cento e sessenta, só prá ver
até quando o motor aguenta”. Se estivesse pensando numa estrada brasileira,
os versos seriam algo do tipo “Oitenta,
cento e dez, radar, máxima de cinquenta, quebra-molas, passando a trinta senão
arrebenta, de novo cento e dez, opa – agora é só noventa, só pra ver quanta
multa a gente aguenta”.
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Nossa
BR-040, por exemplo, é uma estrada cheia de contradições, assim como a letra do
hit dos Engenheiros do Hawaii. O
trecho Rio-Juiz de Fora não chega a ser uma autoban, mas é uma boa highway de
pista dupla e acostamento, onde predomina velocidade máxima de 110 km/h que
parece adequada. Depois de Juiz de Fora, vira uma ráiuei tupiniquim da pior
qualidade e com todos os opcionais...
... Tem-se
uma miríade de quebra-molas, radares no meio do nada, placas antigas e postos
policiais desguarnecidos. E, o pior de tudo, algo como dez diferentes limites
de velocidade... isso porque as autoridades ainda atêm-se somente aos múltiplos
de dez.
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As estradas
brasileiras são horrorosas, tipicamente muito piores que a BR-040. O programa
de concessões privadas iniciado há cerca de 20 anos não deu jeito, pois foi extremamente
mal-concebido (leia-se: amador). Basicamente, os contratos exigiam que o
concessionário cumprisse um cronograma mínimo de investimentos e não impunham marcos
de melhoria tangíveis, tais como instalação de cercas divisórias ou de olhos-de-gato.
Ou seja, criou-se espaço para as pinturas de faixa mais caras do mundo. Usando
o exemplo da BR-040: depois de Juiz de Fora em direção a BH, não há qualquer anteparo
fazendo a divisão central da pista. Ou seja, há risco de batida frontal a uma velocidade
relativa superior a 200 km/h.
Para
piorar, o Brasil tem cinco ou dez vezes o número necessário de municípios, e
com eleições a cada quatro anos. Ou seja, centenas de candidatos de minúsculas
localidades prometem quebra-molas – invenção brasileira – para “aumentar a
segurança da população”. Pronto, tascam quebra-molas a torto e a direito. Além
disso, existe a sanha arrecadadora das três esferas executivas, então tome
radar de tudo o que é tipo e com limites de velocidade variando o máximo
possível ao longo da via.
Resultado: viagens infindáveis e com infinita insegurança.
O motorista
conhecedor das artimanhas arrecadatórias brasileiras prestará atenção
desproporcional ao Waze e aos avisos de “radar reportado à frente”. Com
infinitos limites de velocidade distintos, os olhos do condutor ficarão
demasiado tempo desviados para a telinha do aplicativo. O corolário óbvio é que
a concentração no trajeto e nos demais veículos será subtraída. “Você me faz correr demais os riscos dessa
highway”.
Os
quebra-molas são ainda mais temerários. Os desenvolvedores do Waze certamente
não conhecem esta revolucionária tecnologia brasuca e, com isso, o aplicativo
não avisa quando haverá um deles pelo caminho. Se para um veículo leve o
quebra-molas já é um baita perigo, para um caminhão carregado pode ser mortal.
“Você me faz correr demais os riscos dessa
highway”... Quem
sabe, na verdade, Humberto Guessinger estivesse mesmo pensando numa estrada
brasileira?
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É
vastamente documentado o erro cognitivo do ser humano de se julgar acima da
média em determinadas atividades. A habilidade de conduzir um veículo é um dos
quesitos onde este efeito é mais pervasivo e mais pronunciado. Com tantos
redutores de velocidade pelo caminho, o motorista da infinita BR tentará, munido
de autoconfiança exagerada, compensar o tempo de viagem conduzindo acima da
velocidade permitida naqueles trechos onde não há radar ou quebra-molas. “Você me faz correr atrás do
horizonte desta highway”. Perigo. Acidente. Mortes.
“Mas eu tinha medo, medo dessa estrada”. É para ter medo mesmo. O risco é de
todos, dos que conduzem a 80, a 100 ou a 160 km/h. Enquanto o poder público exagera
ao retirar liberdades individuais impondo um toque de recolher apelidado de “lei seca”, deixa tudo correr solto nos avanços de sinal nas cidades e na
parafernália que torna nossas estradas mortais. (*)
“E a sombra do sorriso que eu deixei, numa
das curvas da highway.” Infelizmente, mais e mais histórias terminam – literalmente – assim.
Triste ráiuei.
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(*) A lei seca é um assunto para um texto futuro. Mas o argumento de que proibir qualquer consumo de álcool ao motorista diminui de maneira desejável o número de acidentes por embriaguez é absolutamente falacioso. Se proibíssemos a venda de carros a particulares, teríamos ainda menos acidentes. Se proibíssemos a circulação e venda de bebidas alcóolicas, idem. Se houvesse de fato um toque de recolher às 20h, não só os acidentes cairiam a quase zero, mas também os assaltos, os estupros, etc. Essas medidas seriam também "desejáveis"? E como ficam as liberdades individuais?
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