O Rohter e o esfarrapado


(Por: Mariano Andrade)

“Muito barulho por nada” é um romance de Shakespeare onde fofocas e rumores sobre casais de namorados acabam criando suspeitas de adultério e uma baita confusão. No final, tudo se resolve e todos terminam bem.

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Muito barulho por nada também é o que está acontecendo no Brasil na questão do vazamento das supostas conversas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Num país que ostenta deputados já flagrados com dólares na cueca, uma longa lista de parlamentares que figuravam na lista da Odebrecht e um ex-presidente preso, é incrível que o conteúdo dos chats – cuja veracidade ainda se questiona – tenham ganho tom bombástico. 

Mas, no Brasil, tudo é motivo para tentar tirar o país do prumo. Por isso é que nunca vamos muito longe. O promotor e o juiz “fascistas” devem ser investigados, punidos, enforcados, espancados, esfolados em praça pública. Já “parou tudo”, com direito a senadores que têm o nome no lixo da corrupção e nas listas do propinoduto arguindo Sergio Moro como se fossem vestais. As agendas de reforma demoram mais e o muro ao qual o país se dirige em alta velocidade vai ficando cada vez mais perto.

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Em 2004, o jornalista americano Larry Rohter, correspondente do NY Times lotado no Brasil, publicou uma matéria na qual abordava a predileção do então presidente Lula por bebidas alcóolicas. A fonte citada na história era Leonel Brizola, que viria a falecer poucos meses depois da publicação da reportagem.

Será que algum brasileiro tem dúvidas de que Lula era cachaceiro? Sua própria “cumpanheira” Gleisi foi flagrada cheirando o copo de Lula e vaticinando “é cachaça mesmo” durante o lamentável teatro que antecedeu a prisão do ex-presidente em 2018.



Basta dar o poder a um bêbado e ele se embriaga, os bilhões da Petrobrás que o digam. Já dando uma prévia de como seria entorpecido pelo poder, Lula reagiu ao artigo do jornalista americano pedindo sua deportação. No passado, mandava-se matar – ao menos é uma das versões para a morte do jornalista italiano Líbero Badaró durante o período regencial. Mas Rohter teve melhor sorte que Badaró, Celso Daniel, Toninho e outros.

Quem diria? O tolerante Lula, democrata, defensor da imprensa livre mandou extraditar o sujeito. E, pasmem, o visto de Rohter chegou a ser revogado – isso que é fascismo! Mas alguém deu o bizú para o presidente-pinguço de que o gringo tinha esposa e filho brazucas, e que não dava para despachá-lo legalmente. O visto foi reinstituído, talvez num raro episódio em que Lula foi convencido a ficar dentro da lei.

O caso de Larry Rohter caiu no esquecimento, mas a conduta de Lula foi ridícula, ilegal e autoritária (fascista, pode ser?). Pior ainda foi constatar a quantidade de idiotas úteis que a defenderam à época, sempre com os “artistas” protagonizando a comédia. É o mesmo que concordar com a expulsão de um repórter brasileiro da Argentina por escrever que Maradona é drogado, ou da Itália por dizer que Berlusconi gosta de uma festinha com modelos.

Enquanto Lula foi rápido no gatilho para tentar se livrar de um repórter insolente, ele e Dilma mantiveram por aqui o assassino italiano Cesare Battisti.

Churchill era conhecido por acordar tarde e tomar um drink já pela manhã. Salvou a Inglaterra dos nazistas e é um dos grandes heróis da liberdade do século XX. Que pena que não tivemos um pinguço como Churchill...

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Há parlamentares que sustentam que Glenn Greenwald, proprietário do site responsável pelos vazamentos, deveria ser convocado para dar as devidas explicações no congresso. Houve discordância sobre o assunto no próprio PSL, mostrando que o tão temido governo Bolsonaro não é uma ditadura (embora qualquer contraditório na bancada governista seja veiculado pela mídia como “trapalhada” – ah, os “jornalistas” preferem a Coreia do Norte, onde coincidentemente todos pensam da mesma maneira). No entanto, o PSOL – sempre o solzinho sorridente – já se apressou em tentar proteger o “jornalista” americano.

O que chama muita atenção é que Bolsonaro, nosso “fascista hediondo”, não falou em momento algum em revogação de visto ou deportação. O que Greenwald fez é muito mais grave do que tachar o presidente de bêbado, vez que coloca em risco o funcionamento de instituições fundamentais à democracia baseado em informações obtidas ilegalmente e cuja veracidade e contexto ainda não estão firmes. Mas nosso presidente parece ter outra agenda, na qual não cabe atender aos anseios de seus críticos boçais: Roger Waters e outros “artistas” devem estar se revirando por dentro.

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O que dizer do esfarrapado Lula? De tolerante e democrata o ex-presidente não tem nada. Ele já deu demonstrações de misoginia (“mulheres de grelo duro”), homofobia (“em Pelotas só tem viado”) e desrespeito pelas instituições. Deve estar bebendo muito na cadeia para pôr em dúvida a veracidade da facada de Bolsonaro, durante entrevista que lhe foi recentemente concedida – cuja própria realização, aliás, demonstra mais uma vez que Bolsonaro é mesmo um fascista de meia-tigela.

Ainda bem que nosso verdadeiro fascista está na cadeia. Enquanto isso, o novo governo desmonta o aparato petista dia após dia. Por ora, assim como no romance de Shakespeare, tudo está terminando bem.


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