Tempo de matutar


 (Por: Mariano Andrade)


"Seguro morreu de velho" , "Quem não deve, não teme" (Sabedoria popular)


O filme “Tempo de matar” (1996) é um petardo. Trata-se da saga de um pai negro, representado por Samuel L. Jackson, que mata dois membros da Ku Klux Klan que haviam violentado e tentado enforcar sua filha de apenas dez anos. Matthew McConaughey interpreta o advogado branco que defende o réu e que sofre diversas ameaças por fazê-lo.

O ápice do filme é, sem dúvida, o “closing statement” do personagem de McConaughey. Ele pede aos jurados – a maioria deles brancos – para fecharem os olhos. Segue pedindo que imaginem uma menina de dez anos, caminhando de volta para casa após fazer compras para sua mãe. Pede que imaginem a menina sendo abordada por dois homens que a amarram, a espancam, a estupram, destroem seu útero e a deixam estéril, urinam sobre ela e depois a penduram pelo pescoço em um galho de árvore para sufocar até a morte. O galho quebra e então os homens a jogam de uma ponte e a abandonam O discurso é comovente e merece ser visto integralmente: https://www.youtube.com/watch?v=cYn8keaxjs4

No fim da declaração, o advogado pede que os jurados visualizem mentalmente essa menina, coberta de urina, sêmen e sangue, com vários ossos quebrados e largada para morrer. E então desfere o golpe de misericórdia: “Agora, imaginem que essa menina é branca”.

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Matutemos um pouco...


Imaginemos uma cidade onde os motoristas só tenham direito a abastecer seus veículos em um posto de combustível que lhes é designado pela prefeitura. Imaginemos ainda que só haja possibilidade de abastecer uma vez a cada dois anos.

Em cada um desses postos fictícios há uma bomba que fornece etanol e gasolina, o motorista pode escolher o combustível pressionando um botão e depois ratificando a escolha. Ele recebe então 100 litros de gasolina ou 100 litros de etanol, e, ao final, paga o combustível, gastando R$ 800 pela gasolina ou R$ 600 pelo etanol.

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Imaginemos um novo morador da cidade na sua primeira ida ao posto, já achando o processo um pouco estranho. Ao chegar lá, ele indaga o frentista sobre o aferimento da bomba. “Chefia, a bomba vem lacrada na véspera do dia do abastecimento. Tem umas 5 assinaturas no lacre, por segurança!”. O morador retruca que, naturalmente, o frentista tem um “gabarito” para verificar se aquelas assinaturas são as assinaturas legítimas. “Não”, responde o frentista, “pode ser qualquer rabisco”.

Um pouco desconfiado, o morador escolhe o botão de gasolina, confirma a escolha, entrega o dinheiro ao frentista e pergunta onde pode verificar que a bomba está zerada. “Não pode”, informa o frentista. “Ela é calibrada para abastecer até o marcador atingir 100 litros e parar”. O morador pondera que, se a bomba não estiver zerada, ele corre o risco de receber menos combustível do que sua quota. “Relaxa”, diz o funcionário do posto.

Imaginemos que, ao final do processo, a bomba pare e o cliente peça o recibo da compra. “Não tem recibo, chefia”, diz o frentista. Um pouco contrariado, o morador aquiesce e caminha em direção ao seu carro, ao que sente cheiro de etanol. Ele checa o tanque de combustível e conclui que a bomba forneceu etanol, e não gasolina.

“Eu escolhi gasolina”, diz ao frentista, que lhe dá de ombros. “Chefia, não tem como saber, foi você que apertou o botão, deve ter apertado errado”. “Mas tenho certeza de que escolhi gasolina. É só entrar na bomba e verificar o histórico.”, argumenta o cliente. “Não tem como, não dá.”, encerra o frentista.

Muito chateado e já se preparando para ir embora, o cliente tem uma ideia. “Existe possibilidade de abastecer de novo?”. “Olha, chefia – o combustível é contadinho, mas nunca vem todo mundo abastecer, tem gente que não aparece. No final do dia passa aqui, vai sobrar gasolina e eu coloco no seu carro antes de lacrar a bomba. Ninguém vai dar falta disso. Aí, fica de boa.”

Já quase saindo, o morador ouve o frentista gritando e retorna para verificar. “O senhor esqueceu o canhoto!”. O morador ficou confuso: “Ué, tem recibo então?”. “Não” – disse o frentista – “apenas um canhoto que comprova que o senhor abasteceu. É obrigatório abastecer, mesmo que não queira ou não precise”.

 

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Agora, imaginem que a bomba de combustível é uma urna eletrônica.

 

(Baseado em relatos de pessoas que trabalharam em algumas eleições e apontam diversas falhas no processo)

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