Publicado originalmente em 18 de junho de 2015
(Por: Mariano Andrade)
Por que as pessoas jogam na mega-sena? Todo mundo – letrado ou não em teoria das probabilidades – sabe que a chance de ganhar é ínfima, então por que gastar dinheiro com um jogo tão negativamente assimétrico? A resposta é simples: porque o prêmio é enorme. Em outras palavras, o evento positivo (mesmo que raríssimo) tem consequências dramáticas – neste caso, o vencedor fica rico.
E por que o volume de apostas aumenta quando o prêmio está acumulado há várias semanas? A probabilidade de ganho não se altera, mas as pessoas têm mais propensão a tentar a sorte. O que move as pessoas nesse caso é que o evento de sucesso tem consequências ainda mais extremas – dependendo do prêmio acumulado, o vencedor pode ficar realmente rico por várias gerações.
Esta evidência empírica mostra que é a magnitude do evento improvável – e não sua probabilidade – que move as pessoas a aceitar uma assimetria contra si. Se a premiação fosse de cem reais, simplesmente ninguém perderia tempo com loteria. No entanto, quando o prêmio é de alguns milhões, muitos jogam. E, quando a bolada é de cem milhões, mesmo os mais céticos arriscam um palpite.
A recente alta nos índices de crimes violentos motivou a reabertura do debate sobre maioridade penal e reacende a preocupação da sociedade ordeira acerca da impunidade. Contudo, a discussão não progride e não traz benefícios à sociedade pois ninguém parece olhar o problema sob a ótica do criminoso real ou potencial.
Felizmente, em toda sociedade, a maioria dos indivíduos – por força de índole – sequer considera a possibilidade de viver no crime qualquer que seja a distribuição de probabilidades. Há outros que sofrem de distúrbios psicológicos e cujo comportamento também independerá do arcabouço punitivo. Portanto, a discussão deve se centrar na faixa de cidadãos que – consciente ou inconscientemente – escolhem o seu caminho conforme a atratividade matemática da vida no crime em comparação à vida ordeira.
A maneira de corrigir a equação em prol da ordem é piorar (sob a ótica do criminoso) a combinação entre duas variáveis: a chance de o bandido ser pego e a magnitude da punição. Observe o leitor que há duas etapas, trata-se de um evento combinado – captura e punição.
A probabilidade de captura de um criminoso é análoga à chance de acertar os números na mega-sena. Ou seja, não é o principal fator que motivará a escolha do indivíduo, não é o que leva o indivíduo indeciso a apostar, não é o que dissuade o criminoso potencial. Por outro lado, a severidade da punição equivale ao volume de premiação no exemplo da loteria e, esta sim, é uma variável determinante na decisão.
Em outras palavras, gastar dinheiro aumentando o policiamento – sem entrar no mérito da eficiência de como isso é feito – é uma maneira ineficaz de combater o crime no longo prazo. No limite, se a expectativa de punição para o bandido capturado for nula, o policiamento tem efeito zero. Se a punição for branda, o bandido capturado volta para as ruas rapidamente, não só tornando inócua a captura mas também ratificando a percepção de que sua opção pelo crime foi acertada. A conclusão matemática do dilema é o tradicional “o crime compensa”, e à medida que o tempo passa, mais e mais bandidos “nascem”, motivados pela comprovada atratividade da equação.
Chega-se, portanto, ao cerne da questão da maioridade. Para um “de menor”, a lei garante que a punição é branda ou inexistente. O menor pode pegar em armas, matar, estuprar, sequestrar e é inimputável. Por que estudar se a lei lhe garante uma assimetria extremamente favorável ao optar pela vida no crime?
A solução – passe ela ou não pela redução da maioridade penal – é ter punições mais severas, para menores e para maiores. Um tanto melhor se as polícias conseguirem aumentar a chance de captura de criminosos. Mas, de novo, o cerne da questão é incrementar a magnitude do evento negativo, aumentar a severidade, a eficiência e a rapidez da punição. A punição tem que ter um custo (para o bandido) muito superior ao lucro que poderia auferir com anos de bandidagem.
As políticas públicas de “tolerância zero” funcionaram em todos as cidades onde foram implementadas com firmeza e urgência. Nova Iorque é o exemplo mais conhecido, em alguns anos a cidade que era perigosa tornou-se um lugar seguro. A prefeitura adotou um sistema onde qualquer pequeno delito – urinar na rua, pular a roleta do metrô, pichar o muro – era punido, na maioria dos casos com abertura de ficha policial e encarceramento, mesmo que por algumas horas ou por uma noite. O efeito é que a população consegue visualizar que os delitos são efetivamente punidos, a punição constrange o meliante perante familiares e amigos e a equação matemática passa a penalizar a atividade criminosa. Não é uma “moda que pega”, e sim a constatação gradual de que há punição firme e, portanto, o dilema deve ser reponderado.
E os direitos humanos? E as vítimas da sociedade? Este é um argumento hipócrita, pois – salvo casos de distúrbio, como já mencionado – o cidadão que comete um crime fez uma escolha e exerceu seu livre arbítrio. Ele deve ter direito à sua integridade física e mental, investigação e julgamentos conforme o processual previsto em lei, mas não deve ser poupado da punição cabível. Em qualquer outro arranjo, as vítimas da sociedade passam a ser os cidadãos de bem, aqueles que pagam impostos e que contribuem para o crescimento da economia o que, por sua vez, financia os programas sociais.
Proteger os direitos humanos do menor abrandando ou eliminando sua punição é criar perversas assimetrias. A primeira delas é atribuir um valor maior à vida de um menor delinquente do que à vida de um cidadão de bem, ou de vários deles que podem ser vitimados por um único menor. A segunda é conceder um salvo-conduto, um período de carência para bandidos menores, criando uma equação extremamente lucrativa no curto prazo para jovens criminosos, levando-os a abandonar os estudos. E, finalmente, cria uma vantagem para os chefões do crime em arregimentar crianças e menores para seus exércitos, pois a vida útil deste contingente está garantida até que a maioridade penal seja atingida. É o “prende e solta”, como bem colocou um policial há poucas semanas.
Cabe notar que não é privilégio das classes sociais mais baixas perceber a assimetria que existe hoje no Brasil. Tome-se o recente exemplo do jovem “desajustado” de classe alta que feriu três pessoas numa festa em sua casa e depois se retirou para dormir. O jovem tinha sete (!) passagens anteriores pela polícia. Será que se houvesse sido seriamente punido por alguma delas seguiria com comportamento “desajustado”? Cinicamente: teria ele cometido estes “desajustes” nos Estados Unidos? Ou: teria a quadrilha de traficantes de classe média recentemente presa no Rio de Janeiro existido na Indonésia?
Os brasileiros ficam sempre muito impressionados em algumas cidades da Europa, onde pode-se andar de trem ou ônibus e não há qualquer conferência se o bilhete foi realmente pago. Por que as pessoas pagam, se a chance de serem pegas é mínima? Porque a punição e o constrangimento são relevantes para aqueles que são descobertos. Depois de décadas vivendo esta assimetria desfavorável ao delito, a frequência de calotes cai a quase zero e a sociedade evolui. Este modelo virtuoso aplicado para pequenos delitos, para crimes de maior relevância e para gestão pública e levado a cabo de forma contínua é que leva as sociedades a atingirem um nível de civilidade privilegiado.
Lamentavelmente, no Brasil, tudo funciona às avessas. O mau exemplo de punição vem de cima: petrolão, mensalão, e outros tantos escândalos. Demoram a ser julgados e, nos raros casos de condenação, a Justiça perdoa, concede prisão domiciliar, abranda a pena. As cortes brasileiras têm sancionado a velha máxima “o crime compensa”.
Para piorar, nossos parlamentares se esquecem de que todo o poder emana do povo. Dado que pesquisas indicam que mais de 80% da população defende a redução da maioridade penal, este assunto (e outros, como a pena de morte) deveria ser prioridade na pauta e não deveria esperar que mais sangue inocente fosse derramado para ser apreciado e debatido com seriedade e sem ideologias oportunistas.
Pobres de nós, vítimas da sociedade.
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