(Por: Mariano Andrade)
We can’t get no satisfaction quando ouvimos novos
artistas no rádio ou no Spotify. Basta olhar a imagem abaixo que circulou em
alguns grupos de Whatsapp.
A indústria fonográfica hoje nos brinda com enlatados mil. Cantoras teen cujo alcance vocal é impressionante, mas que fica enfadonho depois de três músicas. Bandas de garagem cujos instrumentos teimam em não guardar boa afinação. Rappers que só repetem fórmulas de outrora. Enfim: daqui a 20 anos, o riff que os aspirantes a guitarrista continuarão aprendendo na primeira aula será a célebre introdução de Smoke On The Water.
Como é possível que, com a democratização da informação –
hoje, pode-se aprender qualquer coisa online: acordes, solos, técnicas vocais,
teoria musical – a indústria da música tenha falhado em produzir um acervo rico
em candidatos a clássicos atemporais?
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O fim dos anos 60 e os anos 70 produziram um sem-número de
canções e artistas que sobreviverão mais 100, 200, 300 anos. The Beatles, Deep
Purple, Rolling Stones, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, The Doors, Elton John, Black
Sabbath, The Who, Lynyrd Skynyrd, Queen, David Bowie e tantos outros criaram
obras que desafiam o passar das décadas. Os anos 80 sobreviveram bem, com destaque
para o auge de artistas como Prince, Michael Jackson, Iron Maiden, U2, The
Police, Dire Straits e outros. Nos anos 90, começou a ladeira abaixo com o “grunge”
tendo parido uma miríade de bandas, das quais apenas Nirvana e Pearl Jam são
lembradas. Daí em diante, a frequência de canções e artistas memoráveis cai vertiginosamente.
O que aconteceu? Há ao menos três boas hipóteses para explicar o declínio da qualidade
da produção musical. E a má notícia é que as três são razões estruturais, e não devemos esperar reversão ou modulação daqui a alguns compassos...
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Drogas. Muitos dos grandes artistas dos anos 60 e 70 usavam
drogas sem qualquer cuidado, tanto que muitos se foram prematuramente como Jimi
Hendrix, Paul Kossoff, Phil Lynott, Keith Moon e John Bonham. Outros –
felizmente – bateram na trave, como Keith Richards, Eric Clapton e Ozzy Osbourne.
O efeito alucinógeno das drogas sabidamente incita a
experimentação e a criatividade. Para quem ama música e abomina as drogas é
duro admitir, mas provavelmente devemos vários dos clássicos do rock não só aos
gênios musicais dos anos 60/70 mas também à cocaína e à heroína. Stairway To
Heaven e Layla possivelmente não existiriam se não fossem as drogas.
Naquele tempo, a maior parte da renda dos artistas vinha da
venda de discos. Portanto, fazer shows e turnês em estado “chapado” não era muito
grave. Hoje em dia, aparentemente os artistas têm mais cuidados com seus corpos.
Além disso, sua receita é oriunda primordialmente de turnês superproduzidas e
exaustivas, um modelo de negócios que não fica de pé com um frontman constantemente
“doidão” e com saúde cambaleante.
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Ter real proficiência no canto e nos instrumentos musicais.
Até os anos 80, os álbuns eram forçosamente gravados e produzidos em estúdios.
O capital investido em equipamentos de gravação, mixagem, masterização era
muito relevante e, portanto, o tempo de estúdio era caríssimo. Os artistas não
dispunham de estúdios caseiros, nem sonhavam que isso fosse possível. A maioria
das bandas que conseguiam um contrato contavam com poucos dias de estúdio para
gravar seus primeiros LPs. Ou seja, os músicos tinham que ser muito bons. Era
praticamente obrigatório gravar ao vivo em estúdio, com poucos takes e
poucas firulas de pós-produção.
De fato, há diversos relatos de álbuns clássicos como
Paranoid que foram gravados em poucos dias e cujas canções são referência até
hoje. O atemporal Machine Head foi concluído com equipamento precário,
emprestado pelos Rolling Stones, depois que um incêndio destruiu o local onde o
Deep Purple completaria as gravações. A clássica Smoke On The Water conta a
história.
Hoje em dia, é possível gravar uma faixa dispondo apenas de
um laptop e freewares. Não precisa nem ter o instrumento. Sem o contato
orgânico com um piano, uma guitarra ou um violão, não se pode esperar o
surgimento de novos riffs como os de Purple Haze ou Little Wing. Jimi
Hendrix jamais teria tido essas ideias numa tela de computador clicando e arrastando
notas virtuais. O riff de Money For Nothing tem harmônicos “quase
acidentais” que um computador jamais será capaz de simular, mas que são parte
integrante da “levada” da canção. E por aí vai.
Paul McCartney compôs Yesterday sem perceber. Ele relata que
acordou cantarolando a melodia pronta, tanto que supunha que a canção já
existia e era apenas uma lembrança musical que aflorara em sua cabeça. Ele levou
alguns meses para se convencer de que era uma composição original. Embora Yesterday
seja uma das melodias mais lindas de todos os tempos, o gênio Paul McCartney
talvez seja a exceção para provar a regra: sem o contato físico constante e
apaixonado entre músico e instrumento, não teremos muitas outras obras-primas
pela frente.
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Curadoria. A indústria fonográfica era poderosíssima pois um
grupo seleto de gravadoras controlava os meios de produção (capital para bancar
o tempo de estúdio) e os canais de distribuição (capital para bancar a
prensagem dos LPs e todo o marketing e distribuição). Ou seja, dentro de um
orçamento limitado e sempre visando o lucro, não dava para apostar fichas em
qualquer um que tivesse uma ou duas boas canções. Os “one-hit-wonders”
não eram um bom negócio para as empresas.
Portanto, havia a necessidade de ter um processo seletivo
sólido e consistente. Desde os olheiros que buscavam bandas em bares e bailes escolares
até os principais executivos, era imperativo encontrar os verdadeiros talentos,
aqueles que poderiam produzir uma esteira de hits por anos ou décadas a
fio.
Hoje, a internet democratizou a interface entre o público
consumidor e o artista. Basta compor uma canção e postar um vídeo nas redes que
o artista já consegue divulgar seu material. Ou seja, não há nenhuma curadoria.
Isso é bom ou ruim? Steve Jobs dizia que o consumidor não
sabe o que quer, que ele (Jobs) é quem sabia. Pouco democrático, não? Mas o
fato é que muitos dos especialistas de tecnologia achavam que produtos como o
iPad seriam um fracasso. Então, analogamente, a existência de um anteparo ou
filtro entre artistas e público pode realmente trazer benefícios.
É um dilema análogo à aprovação de um novo remédio para
comercialização. Se o remédio vai tratar uma doença para a qual não há medicamento
eficaz no mercado, há um enorme benefício visível de liberar a comercialização.
Contudo, há o custo escondido dos efeitos colaterais, que podem ser muito sérios
e cuja real taxa de incidência e gravidade só será conhecida após alguns anos
de uso do medicamento pelo público.
Imaginem que os integrantes dos Beatles tivessem nascido por
volta do ano 2000. Quando começassem a compor suas canções, o caminho natural
seria postá-las nas redes sociais, disputando clicks e views com
milhões de outros artistas virtuais. Eles teriam o destaque devido? O mundo
teria a sorte de, aleatoriamente, produzir clicks suficientes nos vídeos
de John, Paul, George e Ringo para lhes conferir a chance de serem contratados
por uma gravadora? Será que Eleanor Rigby ficaria perdida entre all the lonely
people que vaga pelo Youtube e acabaria enterrada sem cortejo?
Não confundir curadoria com censura. O Louvre, assim como o
MASP, expõe apenas uma fração do seu acervo. As respectivas galerias não têm
espaço para todas as obras detidas pelos museus. Ou seja, há curadorias que
escolhem o que exibir e nunca ninguém as acusou de censoras. O mundo musical precisa
urgentemente de alguma curadoria nos dias de hoje.
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Há um quarto elemento, mas ele não é necessariamente estrutural.
Trata-se do fato de que muitos artistas hoje parecem ter mais amor pelo sucesso
e fortuna do que pela profissão. No longo prazo, isso significa “cumprir tabela”
e produzir material musical fraco e declinante.
Bruce Springsteen é a antítese disso. Famoso, rico e já ostentando 70 anos (feliz aniversário, amanhã!), ele continua amando o que faz.
Sua passagem pelo Rock in Rio de 2013 mostrou o porquê do apelido “The Boss”.
Bruce foi à praia sem seguranças e interagiu com os fãs, abriu seu show
cantando Raul Seixas (Sociedade Alternativa) em deferência ao público e ao rock
brasileiros e na terceira música do set já estava no meio da galera para
desespero dos seguranças de palco. Não era apenas mais um show para Bruce.
Nunca é. Há um vídeo no Youtube onde um fã na fila do gargarejo pede a Bruce
para tocar uma música que a banda não havia ensaiado. Bruce pede ao roadie
uma guitarra com outra afinação, testa alguns tons até encontrar algum que se
adeque ao seu alcance vocal, anuncia o tom escolhido para a banda e manda bala.
Nesse sentido, um dos ganhadores do MTV Awards 2019 traz
esperanças. Trata-se de Shawn Mendes, o talentoso artista canadense. Além de
escrever boas canções, Shawn parece ter uma relação especial com a música, a profissão
e o público. Quando esteve pela primeira vez no Brasil, no Rock In Rio de 2017,
Shawn soube que havia uma multidão de fãs na porta de seu hotel. Pediu à
segurança para organizar uma fila e desceu para falar com cada um deles
individualmente, tirar uma foto e dar um autógrafo. Além disso, fez um ótimo
show onde se viu que ele estava realmente emocionado por tocar para uma
multidão que sabia de cor a letra de todas as suas canções. Será ele o novo
Springsteen? Shawn tem até o hábito de jogar a guitarra para trás do corpo nas
canções onde não a usa, exatamente como faz “The Boss”...
Don’t Stop Believin’.
(Com a ajuda do meu amigo Paulo)
A parte do "bateram na trave" já valeu o texto todo!😁😁😁
ReplyDeleteExcelente!!