(Por: Mariano Andrade)
Spotlight, filme vencedor do Oscar de 2016, conta a
história verídica de um jornal de Boston que expôs uma difundida prática de
pedofilia na igreja católica americana. Os jornalistas envolvidos basearam-se
em extensa pesquisa proprietária, vasculhando documentos públicos horas a fio (na
ocasião não havia a facilidade da internet), entrevistando supostas vítimas e
até padres. O editor soube esperar o acúmulo de evidência irrefutável para
então dar publicidade aos fatos.
O filme Truth, de 2015, fala sobre um episódio do
famoso programa 60 Minutes que desejava expor tratamento preferencial
auferido por George W Bush em sua passagem pelas forças armadas americanas.
Apesar de a equipe jornalística ter feito exaustiva pesquisa proprietária, a
edição final optou por omitir um elo da corrente de raciocínio, pois se tratava
de um entrevistado prolixo que faria o programa estourar os 60 minutos. O erro
custou caro, pois houve crítica de outros veículos de mídia, apontando
exatamente para a lacuna na construção da tese veiculada e sugerindo uma motivação
política. Embora soubesse que havia material comprobatório (mesmo que não
veiculado), a direção da emissora demitiu o âncora Dan Rather e a produtora Mary
Mapes pelo fato de terem publicado uma história incompleta e que dava margens às
críticas de leviandade e de contaminação por agenda política.
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No Brasil, as coisas são diferentes. O governo petista
empreendeu o maior esquema de corrupção da história da humanidade e nada foi descoberto
pela imprensa. Jair Bolsonaro, então candidato à presidência, foi esfaqueado, o
autor do atentado alegou doença mental e ação solitária, e ficou por isso mesmo
– a imprensa não trouxe nada de novo ao caso. Celso Daniel, Eduardo Campos e
outras muitas mortes suspeitas continuam sem explicação e sem qualquer contribuição
da imprensa para elucidação.
Temos muitos jornalistas competentes, mas o problema é que a
mídia é amplamente movida por uma agenda ideológica que nada contribui para a
sociedade e que, aos poucos, erode a reputação da classe jornalística. A
recente matéria da revista Época intitulada “O coaching online de Heloísa
Bolsonaro” é o retrato perfeito disso.
Vejamos: um repórter undercover marcou diversas sessões
com a nora do presidente, gravou as conversas onde frequentemente suscitou temas
com viés político, certamente buscando revelações ou declarações impertinentes
de Heloísa. Para qualquer observador com o mínimo de bom senso, trata-se de um absurdo
– uma iniciativa maliciosa, premeditada, que objetivava atingir um terceiro de boa-fé
usando-se de uma simulação.
Mas, para nossa imprensa esquerdista, os meios justificam o
fim, e o fim é denegrir o presidente eleito democraticamente a qualquer custo. Nossa
imprensa e nossos “artistas” são defensores da democracia, exceto quando
discordam dos resultados das urnas. Aí, vale tudo para tentar um terceiro turno,
vale o “quanto pior melhor”. Aliás, imprensa e "artistas" estão em guerra com o presidente, o governador do Rio de Janeiro e o prefeito do Rio de Janeiro – querem impor sua ideologia em todas as esferas do poder executivo, mostrando o quão democráticos de fato são.
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Não bastasse o absurdo da empreitada, a revista Época
inicialmente publicou uma nota rebatendo as críticas e afirmando que a matéria seguia todos os padrões
da ética jornalística. Sim, talvez os padrões da época (com trocadilho) de
Stalin ou Mao-Tsé Tung, onde a perseguição aos inimigos era incessante. Só que,
felizmente, vivemos em outra época (de novo!) agora.
Alguns dias depois, o Conselho Editorial do Grupo Globo soltou
uma nota intitulada “uma explicação necessária”. O que era para ser um pedido
de desculpas tornou-se uma peça risível e patética. Como já escreveu um conhecido gestor de fundos de investimentos, quando você acha chegou ao fundo do poço,
descobre que lá tem um alçapão. Se a concepção e publicação da matéria foram o
fundo do poço, a “explicação” foi o alçapão.
A nota de explicação faz referência aos “Princípios Editoriais
do Grupo Globo” e afirma que a revista Época “equivocou-se” ao interpretar o
que prescreve o tal código. Segundo a nota, a seção II, item 2, letra “i” do código
reza que “pessoas públicas – celebridades, artistas, políticos, autoridades
religiosas, servidores públicos em cargos de direção, atletas e líderes
empresariais, entre outros – por definição abdicam em larga medida de seu
direito à privacidade”. Mas que, em contrapartida, a letra “i” da
mesma seção II e item 2 prevê que “a privacidade das pessoas será
respeitada, especialmente em seu lar e em seu lugar de trabalho. A menos que
esteja agindo contra a lei, ninguém será obrigado a participar de reportagens”.
Segundo a nota, o corpo editorial da revista falhou ao considerar Heloísa como
pessoa pública, o que não cabia pois ela não tem hábito de participar de atividades
públicas.
Ou seja, o erro não foi a agenda editorial ser carregada
pela ideologia e pela indigestão com o resultado eleitoral. O erro não foi
premeditar toda a simulação e provocar temas e diálogos potencialmente
comprometedores para a nora do presidente, enquanto no exercício de sua
atividade profissional. O erro foi a interpretação de qual “letra” do item 2 da
seção II dos “Princípios Editoriais do Grupo Globo” era aplicável à situação. Parece
piada, mas não é.
Para terminar o espetáculo tragicômico, a nota invoca ainda
a seção I, item 1, letra “r” dos tais “Princípios”, onde está dito que “quando
uma decisão editorial provocar questionamentos relevantes, abrangentes e legítimos,
os motivos que levaram a tal decisão devem ser esclarecidos”. Ótimo,
bom saber. Seria mesmo interessante conhecer o motivo da premeditação, da
simulação, da decisão final de publicar a matéria. Talvez haja outra explicação
que não a ideologia política se sobrepondo ao dever de informar. Mas a nota
termina abruptamente sem cumprir a tal letra “r” do item 1 da seção I, posto
que reforça que o motivo foi apenas trocar a “letra” da seção II que era aplicável.
Em bom português, a explicação foi “erramos porque erramos”, é a justificativa
que usamos amiúde na época (de novo... já pode pedir música no Fantástico?) da
infância.
Ou seja, não vale o bom senso nem o compromisso com a
sociedade, e sim a tecnicalidade de um código interno. Código este que
determina, unilateralmente, quem abdicou ou não de sua privacidade. Por exemplo: um cidadão que escolheu ser jogador profissional de basquete automaticamente abdicou de sua privacidade e por isso pode ser alvo de matérias ardilosas, sendo que isso tudo é perfeitamente ético. Época
disfuncional essa.
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Muitos de nossos veículos de mídia vilipendiam a polícia e
enaltecem bandidos. Não ajudam a desmantelar quadrilhas do tráfico, preferindo romantizar
o crime. Não aplaudem a redução dos crimes este ano, ao contrário criticam o
aumento do número de operações policiais. Não comemoram o início da recuperação
econômica ajudando a aumentar a confiança dos agentes econômicos, priorizando destacar o número de desempregados ainda alto
(herança do petismo, mas isso não convém dizer).
Em resumo: foi-se a época em que a mídia estava do lado dos
cidadãos de bem e cumpria seu papel na sociedade. E foi-se também a Época. RIP.
(Nota do autor – Alguns profissionais da Época se
demitiram por conta da matéria, ao menos este foi o teor do comunicado oficial. Talvez tenham sido
desligados, prefiro pensar assim. Duvido muito que isso seja o início de um
ciclo virtuoso, onde os corpos diretivos dos veículos de mídia exigirão
diuturnamente que se aplique o princípio de isenção. Tomara que eu esteja errado.)
(Nota posterior - Em 19 de setembro de 2019, foi publicada esta bizarrice aqui https://congressoemfoco.uol.com.br/congresso-em-foco/premio-congresso-em-foco/alessandro-molon-e-o-melhor-deputado-na-avaliacao-dos-jornalistas/ . A maioria dos nomes se repete da lista de 2015. Alguém ainda duvida da agenda ideológica dos "jornalistas"?)
Muito bom!!!
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