Esquecemos?

 (Por: Mariano Andrade)

“Whenever we give up, leave behind, and forget too much, there is always the danger that the things we have neglected will return with added force.” (Carl Jung)

“Me esqueçam” foi uma das frases que marcaram o ex-presidente João Figueiredo. Ao final de seu mandato, já cansado do cargo e desgastado pela crise econômica que há alguns anos assolava o Brasil, Figueiredo pediu ao povo que “o esquecesse”.

“Me esqueçam” também é o título do livro assinado por Bernardo Braga Pasqualette que lança um olhar sobre o governo de Figueiredo, bem como relembra seus antecedentes. Apesar de algumas passagens demasiadamente maniqueístas (ou mesmo viesadas), a leitura do livro é interessante e enriquecedora.

Não é possível afirmar que o povo esqueceu Figueiredo, mas a leitura da obra evidencia que o Brasil esqueceu muitas coisas desde que o ciclo militar se encerrou.


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O livro mostra que Jango, talvez a figura de maior antagonismo ao regime militar, desejava voltar ao Brasil para aqui morrer. O presidente Geisel não lhe concedeu o desejo e Jango veio a falecer na Argentina sem ter novamente pisado em solo brasileiro. A despeito disso, a família o enterrou com a bandeira do Brasil...

... Quem diria, um político de esquerda com a bandeira verde-amarela! Certamente nesses quase 40 anos esquecemos que os símbolos nacionais não pertencem a um governo ou a uma corrente política e sim, como o nome diz, à nação. Nenhum juiz impediu que a família de Jango utilizasse a bandeira na cerimônia fúnebre ocorrida no Rio Grande do Sul.

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Esquecemos também que oportunismo político e “virar casaca” são receita para gestões desastrosas. Em 1984, José Sarney, então presidente do PDS (partido do governo), percebendo que o PMDB (oposição) tinha mais força no colégio eleitoral que elegeria o próximo presidente da República, renunciou ao cargo. Pior: bandeou-se para o PMDB e foi apontado vice-presidente na chapa de Tancredo Neves, candidatura oposicionista ao governo...

... Qualquer semelhança com Geraldo Alckmin não é mera coincidência. Historicamente um feroz crítico da moral, índole e ideias de Lula, Alckmin ora figura como candidato a vice-presidente pela chapa de – exatamente – Lula. É precisamente um prelúdio a um possível desastre (que Deus e nossas urnas invioláveis nos livrem!). Quando um “vira casaca” se combina a um cabeça de chapa com saúde debilitada, tal qual a de Lula (ops, Tancredo), a História mostra que o estrago ao país pode ser ainda pior.

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A bomba do Riocentro foi um dos episódios marcantes do governo Figueiredo. Embora não haja prova cabal, a versão mais aceita por pesquisadores é que militares da linha dura tenham plantado a bomba para culpar os comunistas. Esquecemos que criar inimigos inexistentes leva a mentira e repressão...

... Afinal, hoje se investigam empresários “golpistas” por conta de figurinhas enviadas em grupos de WhatsApp. Ou se colocam atiradores de elite no bicentenário da independência para proteger a sociedade de manifestantes fascistas. Ou se classifica como Ku Klux Klan uma aglomeração de pessoas de bem.

Hoje, tudo é tachado de fascismo, todos que não concordam e não compartilham as mesmas ideias são inimigos. As fake news são a nova ameaça, um crime terrível, mesmo que não seja tipificado em nossas leis. Isso tudo, colocado em perspectiva, soa tão ridículo quanto a “ameaça comunista” que plantou a bomba no Riocentro há 40 anos.

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O governo Figueiredo era parceiro do Iraque de Saddam Hussein. Trocamos tecnologia e fornecemos urânio (yellow cake) para o ainda nascente programa nuclear de Saddam. Obviamente que deu ruim: o Brasil não auferiu qualquer benefício da parceria, criou animosidades no cenário internacional e certamente perdeu oportunidades comerciais com contrapartes mais interessantes e longevas. E ainda amargou a crise Baumgarten, com o saldo de um jornalista morto em condições inusuais, talvez por possuir um dossiê sobre a comercialização do material radioativo.

Esquecemos que estar próximos de ditadores só traz mazelas. Nesses 40 anos, o Brasil se aproximou de Cuba, Arábia Saudita, Angola, Coreia do Norte, Venezuela e outros. Mandamos recursos para obras de infraestrutura em vários desses países enquanto a nossa própria carece de melhorias que permitam ao Brasil crescer em todo nosso potencial. Em troca, recebemos esquemas de corrupção, médicos desqualificados e vergonha internacional.

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Esquecemos que a política corrompe e, acometidos por esse esquecimento, insistimos em eleger e reeleger caciques políticos, bem como homens e mulheres já irremediavelmente escravizados pela sede de poder.

O livro mostra que Lula, no início de sua ascensão como líder sindical, não tinha ambições políticas. Inclusive dizia que não conhecia e nem queria conhecer os princípios marxistas, que isso era coisa para políticos. Lula queria apenas lutar para que a renda dos trabalhadores não fosse erodida pela inflação galopante que massacrava o país.

Mas eis que Lula se elege deputado federal, toma gosto pelo poder e o resto é História – culminando com o maior esquema de corrupção já visto. Lula trocou a missão sindical por um projeto de poder – e pior, nunca fez nada de útil pelo trabalhador durante essa trajetória política, apenas limitou-se a defender a CLT, um conjunto de regras estabelecido em 1943, ou seja, atualíssimo!

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Passados menos de 40 anos da abertura e anistia políticas, é lamentável que caminhemos para uma nova era de cerceamento de liberdades. Afinal, os “inimigos” precisam ser combatidos a todo custo: as fake news, os golpistas, os fascistas – mesmo que isso exija controlar a imprensa e o conteúdo que pode ser veiculado, invadir conversas privadas, realizar prisões ilegais e inconstitucionais, colocar atiradores de elite mirando civis desarmados e proibir o uso e o enaltecimento dos símbolos nacionais. Ah, e tudo isso em nome da democracia.

Se seguirmos esquecendo as lições históricas, podemos também “esquecer” um futuro próspero e ordeiro. 

 

Comments

  1. Alguém já disse que um povo que não conhece seu passado está condenado a repeti-lo, mas parece que no nosso caso, nosso povo, pelo menos a metade, ou desconhece ou preferiu repetir um passado nefasto. Pobre povo ....

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