(Por: Mariano Andrade)
A SpaceX do empresário Elon Musk conseguiu um triunfo
histórico essa semana. A empresa lançou seu primeiro foguete tripulado e os
homens já chegaram em segurança à estação espacial internacional.
É uma baita vitória do capitalismo e mesmo céticos sobre Musk
(como eu) têm que reconhecer que o sujeito é visionário. A existência de
capital disposto a financiar Musk em suas empreitadas, mesmo que a possibilidade
de lucro econômico seja incerta, distante e até improvável, ilustra a principal
engrenagem do capitalismo: o otimismo. A maioria dos empreendedores fracassa e,
portanto, empreender é um jogo de esperança matemática negativa
individualmente. Contudo, para o somatório da sociedade, os sucessos muito mais
que compensam os fracassos e liquidamente geram inovação, crescimento e
riqueza.
Outra ideia inovadora de Musk (e também de retorno incerto e
de longo prazo) é a Boring Company. A proposta da empresa é construir túneis subterrâneos
em múltiplos níveis de profundidade para que se reduzam tráfego, poluição e
acidentes. O intuito é atacar tanto tráfego urbano como também conectar
cidades.
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Outra notícia importante da semana, essa nada auspiciosa,
foi a morte de George Floyd em Minneapolis. Floyd foi morto por um policial
que, apesar de já tê-lo sob controle, seguiu usando força excessiva até
asfixiar o homem. A situação causou revolta nos EUA por se tratar de um homem
negro e também pelo fato de – a julgar pelos vídeos – a situação não ensejar
qualquer perigo iminente aos quatro (!) policiais que prendiam George.
No livro Blink, o autor Malcolm Gladwell estuda situações
onde policiais submetidos a operações de grande perigo perdem o controle de suas
funções cognitivas. O resultado é uma “visão de túnel” sob a qual o indivíduo
vira temporariamente um autista, incapaz de se aperceber se o risco cessou, se há
outras maneiras de lidar com o problema ou mesmo se o suspeito está assustado,
raivoso ou surpreso.
Quando o ser humano entra em “visão de túnel”, o cérebro concentra
uma quantidade enorme de esforço naquele problema pontual e deixa desguarnecido
o sistema cognitivo, podendo provocar ação desproporcional. Trata-se de um
instinto de sobrevivência que vem gravado no nosso software. Uma outra expressão
do uso desequilibrado do cérebro em situações agudas é o fato de que, em
ocasiões onde há risco de vida iminente, é comum o ser humano perder o controle
de seus esfíncteres e se urinar ou defecar. O cérebro automaticamente deixa de
dispender energia nesse controle fisiológico porque entende que há algo mais
importante a ser endereçado com urgência.
A julgar pelos vídeos disponíveis na internet, a situação em
que George Floyd foi morto não parecia dramática o suficiente para causar “visão
de túnel” no policial que o asfixiou, muito menos em um grupo de quatro policiais. Ao contrário, parecia absolutamente controlada. Essa percepção certamente desencadeou os protestos violentos que eclodem no
país e deu combustível às acusações de racismo.
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Brasília parece uma cidade cheia de túneis, mas infelizmente
não os de Elon Musk. Nossos três poderes sofrem de “visão de túnel”
crônica. São autistas, não gozam de sistema cognitivo funcional e em geral
comportam-se de maneira desproporcional.
O Executivo tem visão de túnel nas suas críticas à imprensa.
Embora as reclamações sejam mais do que legítimas e a grande mídia seja
vergonhosa, Bolsonaro governa um país. Quanto mais ele se enfia no túnel de
criticar, combater, confrontar a imprensa, mais joga lenha na fogueira e perde energia
e capital político que deveriam ser investidos em outras frentes.
Além disso, Bolsonaro tem uma visão de túnel em matérias que
tocam seus filhos. Aparentemente, o amor paternal compete ferozmente com o amor
à pátria e com sua visão de livrar o cenário político do maldito establishment.
O Legislativo, há tempos, tem o autismo do poder pelo poder.
Esquece que todo poder emana do povo e em seu nome deveria ser exercido, e não
se apercebe de que as redes sociais dão publicidade às suas engrenagens e quid
pro quos carcomidos.
O Judiciário tem mostrado que seu túnel é mais largo.
Julga-se mais importante que os demais poderes e toma gosto por legislar e
executar. Sua visão de túnel ignora os trajetos prescritos na Constituição
Federal e cria uma insegurança jurídica que afasta do Brasil investimentos e
talentos.
A imprensa, o quarto poder, é comandada por baby-boomers
que viram o socialismo fracassar em todos os cantos em que foi tentado e que
parecem entoar seu canto do cisne: uma obsessão por derrubar o primeiro governo
de direita que o país teve desde o impeachment de Collor. Uma visão de túnel
que desrespeita a democracia, presta um desserviço ao país e institui um “race
to the bottom” onde todos perdem, inclusive as empresas de mídia, mesmo que
consigam derrubar o presidente democraticamente eleito.
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Nossos túneis nos levam cada vez mais para os subterrâneos
do crescimento e da ordem, asfixiando nosso setor privado. Mantido esse autismo
da Tunelbrás, elimina-se qualquer chance de termos boas condições para
realização de investimentos e busca de inovação tecnológica. Muito dificilmente
entregaremos aos nossos filhos um país melhor do que recebemos. E jogaremos pro
espaço sideral nosso futuro como nação.
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