Sobre medalhistas e vencedores

 

(Por: Mariano Andrade)

O romance “Sobre Ratos e Homens” de John Steinbeck foi publicado em 1937 e conta a história de Lennie e George, dois trabalhadores rurais. O enredo tem como pano de fundo a Grande Depressão, o que dificulta o sonho dos protagonistas de poupar dinheiro para comprar seu acre de terra. Após idas vindas, eles conseguem um trabalho estável numa fazenda, mas o sonho se destrói quando o brutamontes Lennie mata acidentalmente a nora do proprietário da fazenda.

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Durante os jogos olímpicos, as atenções normalmente se voltam para os medalhistas. Contudo, nem todos os medalhistas são vencedores e, analogamente, nem todos os vencedores são medalhistas.

Alguns vencedores marcaram a história dos jogos mais do que muitos medalhistas – é o exemplo da maratonista suíça Gabriela Andersen-Schiess em 1984. Certos medalhistas são, acima de tudo, vencedores, como Vanderlei Cordeiro de Lima, o brasileiro que ganhou bronze na maratona de 2004 após ser agarrado por um lunático que assistia à prova.

Na recém-terminada olimpíada de Tóquio, Darlan Romani foi um vencedor – não obteve medalha, ficando em quarto lugar no arremesso de peso, mas mostrou ao mundo o que o espírito olímpico é capaz de fazer. Darlan treinou em um terreno baldio com uma pista improvisada de onde lançava seus pesos. A despeito da falta de orçamento e de infraestrutura, Darlan foi o quarto melhor do mundo na categoria. A história de Darlan comoveu os brasileiros: antes mesmo do encerramento dos jogos, uma vaquinha virtual já havia arrecadado mais de R$ 200 mil para Darlan, recursos que serão investidos em seu treinamento para as competições futuras.

Kawan Pereira, de 19 anos, foi outro vencedor que não medalhou. Contudo, tornou-se o primeiro brasileiro a atingir uma final nas provas de saltos ornamentais e terminou em décimo lugar dentre os 18 finalistas na plataforma de 10 metros. Uma campanha de ouro.

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Infelizmente, há medalhistas que são perdedores. E há perdedores que perdem não só a competição, mas também a compostura.

Novak Djokovic fez um péssimo papel. Perdeu a semifinal do torneio de tênis masculino e, em seguida, foi derrotado no jogo que valia o bronze. Ele ainda disputaria a medalha de bronze nas duplas mistas, mas preferiu retirar-se da competição, frustrando o sonho olímpico de sua parceira Nina Stojanovic. Perdeu as duas medalhas, e a justificativa de lesão no ombro pareceu um sofisma para a perda de respeito pela sua compatriota e pelos outros atletas da modalidade.

Marta, a capitã do time brasileiro de futebol feminino, não disputou medalha, mas foi ouro no mimimi. Após a derrota para o Canadá na partida de quartas-de-final em que o Brasil atuou de forma pífia, Marta concedeu uma entrevista onde primou pela deselegância. Começou dizendo que “nem sempre o melhor vence”, desmerecendo a vitória canadense. Foi ridículo na hora e se tornou ainda mais risível ex-post, visto que as canadenses venceram as norte-americanas (feito nunca alcançado pelo Brasil em jogos eliminatórios) e depois triunfaram na final contra as suecas, levando o ouro. Marta também criticou a falta de apoio ao futebol feminino, um verdadeiro chororô coitadista. Jogaram mal, perderam e pronto. Sabe-se lá qual é o público de futebol feminino no Canadá, o fato é que as canadenses foram lá e venceram.

É curioso Marta reclamar da falta de apoio... Logo ela que, nas fotos posadas, faz questão de esconder o logotipo da fabricante do uniforme com suas madeixas. Além disso, entra em campo com uma chuteira sem marca e que pede igualdade (“go equal”) supostamente em salários no futebol. Quanta bobagem! Marta pretende trazer apoio à sua modalidade sendo hostil aos patrocinadores já embarcados? E criticar o sistema pela desigualdade de salários entre mulheres e homens futebolistas? Que tal ajudar a construir um bom produto, rentável para os patrocinadores, para buscar salários maiores? Hayek já demonstrou que o dilema entre crescer riqueza ou dividir riqueza não existe, não há este trade-off: deve-se buscar crescimento da riqueza o que pode motivar e/ou viabilizar a divisão posterior, mas o contrário não é verdadeiro, divisão não promove geração de riqueza... nem no futebol.

(Detalhe – Marta não pede igualdade quando o uniforme da seleção feminina trazia 5 estrelas acima do escudo, alusão às 5 copas do mundo conquistadas pelo time masculino.)

Mas, dentre medalhistas perdedores, o destaque foi sem dúvida o time masculino de futebol. Com o ouro confirmado após a vitória sobre a Espanha, o grupo esperou a cerimônia de premiação para protagonizar uma cena vergonhosa – os jogadores subiram ao pódio com o agasalho do uniforme oficial de premiação amarrado na cintura. No momento mais solene para um esportista olímpico, a equipe se apresentou tal qual um bando de colegiais vestidos para a aula de educação física. Um desrespeito às demais equipes medalhistas, aos demais participantes da cerimônia de premiação, aos organizadores, aos telespectadores, ao COB e ao seu patrocinador



Aparentemente, o objetivo era dar visibilidade ao logotipo do fabricante da camisa de jogo, e não ao do patrocinador do COB que estampa o agasalho. Daniel Alves foi ao twitter tentar justificar sem dar muitos detalhes. Falou, falou, falou e não convenceu ninguém.


Os mimados jogadores de futebol – aos quais, diferentemente de Darlan, não falta dinheiro – deveriam sofrer punição exemplar do COB (A CBF já passou a mão na cabeça... afinal, de uma organização que mantém Tite não dava para esperar muito). Sugestão ao COB: os atletas nunca mais poderão disputar uma olimpíada. 

Ora, os jogadores estavam em Tóquio representando o Brasil, o COB. A atitude deliberada e malcriada significa que a marca COB tornou-se menos atraente para futuros contratos de patrocínio, o que acarreta valores menores do que seriam obtidos de outra forma. A arrecadação mais baixa afeta atletas como Darlan, Kawan e tantos outros de modalidades menos populares que o futebol. Ou seja, a atitude infantil da gangue liderada por Daniel Alves foi também egoísta com os outros participantes, atuais e futuros, da equipe olímpica brasileira. Cria mais desigualdade entre as modalidades, exatamente o oposto do que ele tuitou.

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 A morte “acidental” do patrocínio infelizmente afetará os homens e não os ratos.


(P.S. A maior tristeza é que Daniel Alves e os demais jogadores são vencedores na vida. Muitos têm origem humilde e mesmo assim passaram por um funil danado que vai deixando os aspirantes a futebolistas pelo caminho. Daniel e seus companheiros venceram as dificuldades e hoje nadam em dinheiro, fama, patrocínios e conforto. Eles têm infraestrutura para treinar, acompanhamento médico, fisioterápico, psicológico. Parece que o sucesso apagou de suas memórias o quão é difícil chegar lá... se no futebol já é difícil, eles certamente podem imaginar a batalha que é em modalidades menos populares e com menos orçamento. Lamentável.)

Comments

  1. Zero interesse nessa Olimpíada, foi como se nem tivessem existido, agora entendo o motivo. Mais um texto ótimo!

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