(Por: Mariano Andrade)
O que torna um sistema robusto? Como aumentar esta robustez
ao longo do tempo?
O livro “Antifragile”
de Nassim Taleb fecha o ciclo iniciado na sua primeira publicação “Fooled by Randomness” e seguido por “Black Swam”. Nestas obras, Taleb aborda
os temas de eventos aleatórios, fenômenos não-lineares, (im)previsibilidade,
dentre outros, e ajuda a responder as perguntas acima.
No volume final – “Antifragile”
– Taleb mostra como pequenos choques são importantes para aumentar a robustez
de qualquer sistema ou organização. É o que cunha de “antifrágil”, ou seja,
algo que se torna mais resistente com o tempo. Um dos exemplos citados por
Taleb, óbvio e inquestionável, é a observação da natureza – o indivíduo é
frágil, mas o sistema é antifrágil: quando surge um novo vírus ou bactéria, a
população exposta ao novo agente pode sofrer baixas significativas (indivíduos)
mas, ao final, o sistema sobrevivente torna-se mais robusto, pois cria defesas
a estes agentes.
Se não houvesse choques esporádicos, o sistema apresentaria
variabilidade zero (ou seja, uma percepção de ausência de risco), mas estaria
exposto a vários riscos (vírus e bactérias, mantendo o exemplo). Nesta
configuração, a população tem um risco maior de ser dizimada a qualquer
momento, uma vez que não acumulou defesas ao longo do tempo. Se houver a
ocorrência simultânea de dois fatores de risco (exemplo: duas epidemias severas
e concomitantes, um cisne negro), a chance de o sistema sobreviver é menor do
que se cada epidemia acontecesse em momento diferente, embora este segundo
cenário acarrete maior variabilidade de curto prazo.
Dessa forma, o passado não pode ser usado para prever o
futuro, especialmente em situações onde a incidência de choques no passado foi
baixa ou nula.
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Taleb aplica este conceito para analisar diversos domínios – finanças, política, literatura e outros tantos. Em um determinado momento do livro, a leitura remete a diversos aspectos observados no Brasil, que contribuem para que nosso país seja extremamente frágil em variadas esferas, seja pela ausência de choques de curto prazo ou pela mania que temos de achar que o passado tem poder preditivo.
Tome-se, por exemplo, o funcionalismo público. A crise de vários estados afeta a expectativa de remuneração futura dos funcionários, causando protestos, revolta, polêmica. Trata-se de um sistema onde não houve choques ao longo de várias décadas, pois o funcionário tinha uma renda “garantida”, com correção anual “conhecida” e percebia risco nulo em sua remuneração. Quando o dinheiro acaba e há que se repensar o custo do funcionalismo, os indivíduos não têm defesas.
O remédio para isso é a remuneração variável, baseada em
performance. Um funcionalismo mais eficiente pode ajudar a reduzir o tamanho do
estado a longo prazo, bem como premiar os bons servidores com um bônus de
desempenho. Num mundo onde é possível avaliar livros, filmes, restaurantes,
corridas de táxi e até encontros amorosos com simples toques na tela do
celular, é perfeitamente factível que o estado implemente um sistema onde o
usuário avalie o servidor. Os servidores bem avaliados receberão mais ao final
de um bom ano, e menos ao final de um ano de pior desempenho. Choque.
Variabilidade. Resistência. Antifragilidade.
O mesmo raciocínio vale para a aposentadoria. O sistema brasileiro – “pay as you go”, ou “unfunded” – com benefício definido equivale a um trem-bala andando em direção ao muro. Uma hora vai bater. O mutuário do INSS, por sua vez, nunca percebeu risco ou variabilidade – ou seja, não está preparado para uma surpresa negativa. A maneira de corrigir o problema é criar um sistema “funded”, onde cada mutuário tem uma conta segregada, podendo escolher investir em renda fixa, ações, ou combinações, sendo que ao se aposentar, viverá da anuidade que o volume poupado (com rendimentos) lhe proporcionar. A variabilidade da carteira será visível no extrato mensal, criando uma correta percepção de risco e disciplinando o indivíduo a poupar adequadamente. O sistema torna-se antifrágil.
A certa altura, Taleb menciona que guerras e conflitos de pequena escala são benéficos e até desejáveis. O ponto é polêmico, mas a ideia é que ajudam a “passar a limpo” certas questões de tempos em tempos. O cenário oposto – um período de paz prolongado – pode trazer a ilusão da ausência de risco, sendo que as questões geopolíticas, sociais, raciais, religiosas se acumulariam e poderiam levar a uma guerra de grandes proporções. Um cisne negro.
Em tempo: os veteranos de guerra constituem um grande poder moderador na sociedade, uma vigilância às práticas do estado. Pense um pouco: o sujeito que foi para o front defender seu país, deixando para trás sua família e viu seus amigos morrerem tem uma tolerância muito baixa a eventuais práticas não-republicanas dos seus governantes. Os atentados esporádicos praticados por ex-combatentes geram percepção de risco à classe política e, portanto, robustez e possivelmente antifragilidade na organização do governo a longo prazo.
No Brasil, carecemos de veteranos de guerra e de sua força moderadora... Com o agravante de nossa capital federal estar distante das nossas metrópoles, o que causa uma ilusão de “risco zero” à classe política. Ninguém tem medo e nunca houve problema no passado. Cria-se espaço para o deboche que vemos todos os dias nos jornais.
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O estado paternalista é frágil. A Coréia do Norte tem aparente estabilidade política e social, mas trata-se de um barril de pólvora, pois a sociedade não foi exposta a choques, muito menos os governantes. Um dia, explode.
A Venezuela é outro exemplo, esta já está explodindo. A Romênia de Ceaucescu explodiu, sendo o ditador e sua família executados poucos dias após ele fazer um discurso para milhares de pessoas em praça pública. A União Soviética bateu no muro quando o crescimento artificial exauriu-se. Há diversos exemplos na História.
O Brasil encontra-se em posição frágil em diversas questões econômicas, sociais e políticas: leis trabalhistas, seguridade social, jurisprudências – a lista é longa. Tudo isso é fruto de um estado demasiadamente paternalista e protecionista, que pretende ser “tudo para todos”. Não funciona. Precisamos de choques, de risco, de variabilidade. Não é para sermos um “país de todos”, não funciona.
Do jeito que está, podemos até pedir música: “Frágil, extremamente frágil... Prá você,
eu e todo mundo que tá junto”.
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