O candidato antifrágil


(Por: Mariano Andrade)

O autor Nassim Taleb cunhou o termo antifrágil para descrever mecanismos ou sistemas que se tornam mais robustos quando expostos a intempéries. Normalmente, encontra-se a antifragilidade em populações, ao passo que o indivíduo é – em geral – frágil.



Restringindo a análise ao campo político e aos últimos 6 meses, Jair Bolsonaro talvez seja um dos poucos indivíduos antifrágeis já observados. Quanto mais é agredido – seja por adversários ou pelos “jornalistas” – mais cresce nas pesquisas.

Há 6 meses, todos os analistas políticos diziam que Bolsonaro não estaria no 2º turno. Ponderavam que sem partido forte, sem aliados, sem coligação e sem tempo de TV, seria apenas um modismo. Erraram: hoje a questão é quem estará no 2º turno com ele. Ou, mesmo, se haverá um 2º turno.

Ninguém pode afirmar que entende a dinâmica que está acontecendo, mas este artigo tenta formular uma hipótese.

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Jair Bolsonaro estabeleceu-se como a alternativa anti-establishment. Não importa se já está em seu sétimo mandato legislativo ou se seus filhos também ocupam cargos públicos. É muito difícil agora – para outros candidatos ou para a mídia guerrilheira – deslocá-lo desta posição. Em meio à debacle da classe política e da aguda crise de representatividade em que estamos inseridos, Bolsonaro conquistou uma posição extremamente privilegiada, uma “cabeça-de-praia”.

Quando Bolsonaro constrange Miriam Leitão, William Bonner e Renata Vasconcellos em cadeia nacional, mostra que não tem compromisso com oligarcas e que diz o que pensa. O eleitor percebe essa sinceridade e a disposição de Davi contra Golias e o escolhe como veículo de enfrentamento à velha política. Por isso, quanto mais apanha dos “jornalistas”, mais Bolsonaro cresce nas intenções de voto.

Os ataques preferidos a Bolsonaro passaram a surtir efeito positivo em sua candidatura. Tome-se, por exemplo, acusá-lo de imoral por possuir um imóvel e usar um apartamento funcional. O eleitor que já foi roubado por PSDB, PMDB, PT e tantos outros para e pensa – usar uma prerrogativa que o cargo lhe confere é o mais fedido dos podres de Bolsonaro? Não encontraram mais nada? Intuitivamente, o eleitor passa a aceitar a hipótese de que Bolsonaro é diferente dos demais políticos. É honesto, barato e simples. Pronto, compra a ideia.

Outro bordão que os detratores insistem em usar é o da homofobia e demais supostos preconceitos contra índios, quilombolas e outras minorias. Em 2013, o país protestou contra a copa do mundo, “não queremos estádios, queremos saúde e educação”, “FIFA go home”, etc. A questão da homofobia – seja Bolsonaro homofóbico ou não – é que há agendas muito mais importantes para a população do que os anseios das minorias. A maioria sofre com serviços públicos lamentáveis em saúde, educação e segurança e pouco está preocupada com copa do mundo, estádios, FIFA, demarcação de terras ou casamento gay. Bolsonaro, intencionalmente ou não, é o veículo para ordenar as prioridades das agendas conforme sua importância para o eleitor médio. Em outras palavras, é o candidato que pode enfrentar o politicamente correto do establishment e acabar com a ditadura das minorias que assola e atola o país.

A aposta política que Bolsonaro faz candidatando-se à presidência é não-trivial. Poderia candidatar-se ao Senado ou ao governo do Rio de Janeiro e certamente seria eleito. Preferiu “ir pras cabeças” com o risco de – se perder – ficar no ostracismo político até as eleições municipais de 2020. Alckmin, Ciro, Marina, Haddad provavelmente ocuparão cargos públicos em um próximo governo, qualquer que seja o presidente, se Bolsonaro não for eleito. Em contrapartida, Bolsonaro está sozinho: nem partido direito ele tem, e certamente não será convidado para a “festa pobre” de Brasília, como cantava Cazuza. Quando a mídia critica Bolsonaro pelo baixo número de projetos de lei apresentados, pelo punhado de votos que teve na eleição à presidência da Câmara, ou pela governabilidade que lhe faltará, apenas sublinha que – sim – ele é o anti-establishment. Apanha e cresce.

A velha política está cheia de intelectuais, de programas de governo encadernados, de discursos refinados e afinados, de políticos da estirpe “postos ipiranga”, aqueles dotados de sapiência para atacar qualquer matéria e aplacar todas as mazelas dos brasileiros. Ciro Gomes, Alckmin e Haddad conseguem versar sobre temas tão variados como capitalização da previdência, tributação, estradas, segurança, empresas estatais, navegação de cabotagem, aborto, cessões onerosas... Tudo! É um pedantismo que já cansou o eleitor. Marina tenta falar sobre todos esses assuntos mas sem qualquer conteúdo, apenas preconiza o diálogo com a sociedade – tudo bem se fôssemos Liechtenstein, mas temos 200 milhões de habitantes e 8 milhões de quilômetros quadrados. Bolsonaro promete apenas indicar pessoas competentes e honestas para cada pasta, sem se guiar por interesses partidários. Como ele não tem partido mesmo, consubstanciado pelo seu tempo minúsculo de TV, essa promessa reverbera e conquista o eleitor. É a chance de nos livrarmos de figuras habituais do establishment como Lobão, Padilha, Moreira, e tantos outros. Atacar Bolsonaro com os argumentos de que ele não entende de economia e de que Paulo Guedes pode se demitir no meio do caminho serve apenas para fortalecer sua posição.

O desespero da classe política com a ascensão de Bolsonaro é facilmente explicável. Uma vitória de Bolsonaro pode destruir de vez o establishment. Talvez a única vantagem do sistema de dois turnos seja garantir matematicamente que o presidente eleito teve mais da metade dos votos válidos, de forma que goza de um enorme poder afirmativo. Ainda mais um vencedor sem tempo de TV, sem coligação e sem paciência para as velhas raposas. Os políticos e partidos que tiverem pretensões nas eleições de 2020 terão que botar o rabo entre as pernas e seguir o líder, dando a Bolsonaro toda a governabilidade do mundo e destruindo o deplorável tecido fisiológico da nossa política.

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Em seu livro "Outliers", o autor Malcolm Gladwell explica como os advogados judeus ascenderam nos EUA pós-guerra. Eles eram o anti-establishment, preteridos pelas grandes corporações e relegados a atender clientes menores. Quando o ciclo virou e o jogo passou a ser o desmonte de grande corporações na forma de aquisições hostis alavancadas, os clientes menores passaram a ser os "bárbaros nos portões" e as bancas lideradas por judeus eram seus fiéis escudeiros.

O Brasil viveu um ciclo muito longo do politicamente correto e as pessoas se cansam. Bandido é bandido, não é vítima. Suzane Von Richthofen ter indulto de dia dos pais não é direitos humanos, é escárnio. Venezuela não é democracia, é ditadura. Fidel Castro não foi um herói, e sim um assassino. E por aí vai. Quando a corda estica demais, a paciência acaba e o ciclo vira – o politicamente incorreto ressurge e o pangaré anti-establishment vira o garanhão. 

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Goste-se ou não dele, uma eventual vitória de Bolsonaro será uma auspiciosa demonstração de que o poder – de fato – emana do povo e não de partidos políticos, de veículos de mídia, de tempo de TV ou da quantidade de amigos em Brasília.


P.S. - E João Amoêdo? O Novo parece tentar algo utópico – fazer uma reforma na política sem estar dentro da política. A intransigência do Novo em se coligar, em arregimentar puxadores-de-votos com valores em linha com os seus, em usar verba pública disponível que será consumida de uma forma ou de outra, dificulta muito sua trajetória. É o produto excelente, mas que não chega à prateleira para o consumidor comprar devido à má distribuição. É preciso construir bancada, ganhar relevância e parar de brigar internamente, evitando mais defecções.  Dois candidatos anti-establishment juntos fazem mais barulho que um... Fica a dica


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