(Por: Mariano Andrade)
Em países
de língua inglesa, é comum as pessoas dizerem “god bless you” a quem espirra. Há diversas teorias para explicar o
uso dessa expressão, sendo algumas delas relacionadas à praga de Justiniano ou
à peste negra, pandemias que dizimaram milhões de pessoas. Supostamente, um dos
principais sintomas daqueles acometidos pela doença eram os espirros
frequentes, e o refrão “god bless you”
era uma oração àqueles praticamente sentenciados à morte.
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O boom dos planos de saúde no Brasil ao
longo dos anos 90 foi auspiciosamente percebido pela sociedade. Com uma módica
contribuição mensal, as famílias de classe média supunham assegurar um ótima cobertura
médica, mesmo para situações complexas envolvendo longos tratamentos ou
cirurgias.
A
proliferação dos planos, inclusive com operadoras ocupando segmentos mais
populares, passou ao largo da ANS. Em se tratando de um negócio de seguro, a
prestadora deveria ter capitalização adequada e política de investimento
responsável para rentabilizar o valor poupado pelos segurados. O que se viu ao
longo do tempo, no entanto, foi uma miríade de firmas fechando suas portas.
No ínterim,
a classe média – iludida pela sensação de segurança – cada vez mais lavou suas
mãos para a falência do sistema público de saúde. Obviamente que a saúde
pública não teria hoje padrão nórdico se não houvesse planos de saúde, mas o
fato é que em cidades pequenas e médias a qualidade do hospital público elegia
prefeitos e vereadores no passado, o que também ajudava nas eleições estaduais.
Os planos baratos ocuparam este espaço, a massa eleitoral passou a dar menos
bola ao descalabro da saúde pública e os políticos responderam deixando a saúde
pública moribunda, afinal ela passou a não dar mais votos.
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Algumas
décadas depois, o país vive um caos nos planos de saúde. A mortalidade das
prestadoras mal geridas suprimiu oferta, gerou aumento de preços e contribuiu
para limitar o acesso de parte da população ao planos privados. As grandes
prestadoras que seguem atuando no setor conseguem – com a anuência da ANS –
cada vez mais dificultar (leia-se: impossibilitar) que pessoas-físicas possam
adquirir apólices individuais, preferindo o baixo risco e alta lucratividade
dos clientes empresariais. E, para os infelizes que não conseguem ostentar uma
carteirinha de seguro-saúde, sobrou uma saúde pública em estado terminal. No ritmo
atual, as empresas conseguirão contratar funcionários sem lhes pagar salário
algum: o fornecimento de cobertura de saúde será o suficiente.
A ANS,
nesse tempo todo, provou ser mais um aparato estatal que de nada serve,
juntando-se ao Cade, ao BNDES e à Justiça do Trabalho. Os aumentos sempre acima
da inflação, ano após ano, acumularam-se de tal forma que a módica mensalidade
dos anos 90 tornou-se um item relevante no orçamento familiar hoje em dia.
Ademais, as operadoras conseguiram emplacar a chicana da “migração” dos planos
de saúde há alguns anos, argumentando que novos tratamentos e tecnologias eram
posteriores às apólices e que, para que o segurado tivesse acesso a eles,
deveria aceitar uma mensalidade ainda mais alta. Seguro bom esse, não? Ou você
aceita pagar mais do que o combinado, ou quando houver sinistro você tem que se
tratar com técnicas obsoletas, de preferência as medievais. A analogia com o
seguro automotivo seria o cliente ter uma perda total com seu Honda Fit e a
seguradora entregar-lhe um Fiat 147 zerinho. Tudo isso com anuência da ANS.
Agora, preparem
seus medidores de pressão: recentemente, a ANS aprovou a co-participação dos
segurados nas despesas realizadas. Ou seja, encarece ainda mais o acesso dos
indivíduos aos planos de saúde. O discurso oficial é que essa co-participação
reduzirá o prêmio pago mensalmente para todos os usuários, e apenas os clientes
que utilizarem a rede conveniada com mais frequência serão onerados. É o mesmo
papo furado de que a cobrança de bagagem à parte baratearia as passagens aéreas.
Retificando: a ANS tem sim um propósito – proteger os interesses das operadoras
de planos de saúde.
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A maneira
como as operadoras calculam o prêmio das apólices é pouquíssimo
transparente. O entendimento é ilustrado no seguinte exemplo: para o cliente de 25 anos sem doença
prévia, há uma probabilidade estimada de ele ser acometido por
cada doença conhecida (câncer de pâncreas, fibrose cística, etc). Para cada uma
dessas condições, existe um custo estimado de tratamento. Com a composição e
somatório destes valores, chega-se a uma estimativa matemática de quanto este
cliente custará à seguradora e qual o prêmio compatível com este dispêndio (e com
a margem de lucro desejada). Quando há condição prévia ou à medida que o
cliente fica mais velho, o prêmio torna-se justificadamente maior, pois as
probabilidade aumentam.
Ocorre que
é impossível um ser humano ter todas as doenças que compõem o custo da apólice
durante o curso de sua vida. Portanto, muito provavelmente há um sobrepreço logo
na partida. Por outro lado, se o cliente é acometido por certas doenças que infelizmente
venham a diminuir sua expectativa de vida (e a probabilidade de
requerer novos tratamentos para outras enfermidades), em geral – salvos alguns casos de câncer – o prêmio não cai proporcionalmente como deveria ser caso, fosse o sistema simétrico.
Ademais,
quando um cliente adere a um plano de saúde na sua juventude, ele faz uma
poupança ao longo dos anos para poder desfrutar da segurança da assistência médica durante sua
terceira idade. Curiosamente, a seguradora atribui valor zero a esta poupança,
pois o cliente de 60 anos paga um valor fixo, independente do quanto já tenha contribuído.
Nem para o percentual de co-participação o tempo de contribuição contará.
Sistema 100% pay-as-you-go, o mesmo mecanismo que quebrou a previdência social... Há uma
comoção sobre a reforma da previdência, mas nenhuma revolta com as benesses que o governo concede aos planos de saúde ano após ano.
A única maneira de os planos serem regulados de forma eficiente, garantindo à população que ofereçam custos palatáveis e segurança, é acabar com a cobertura de despesas médicas para parlamentares, ministros e magistrados. Atchim!!!... É mais fácil um homem ficar grávido ou uma mulher ter câncer de testículo.
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No setor de
serviços financeiros há uma máxima que diz que só existem duas certezas: morte
e impostos. O Brasil, com carga tributária gigante e saúde ladeira abaixo,
captura perfeitamente esta projeção.
God bless us!
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