Baile de máscaras

 (Por: Mariano Andrade)

O uso de máscaras é quase tão antigo quanto a civilização humana, embora o seu propósito tenha mudado com o passar dos séculos.

Em tribos, desde remotos tempos, as máscaras têm função ritualística. Seu uso, acreditava-se, servia para se aproximar de divindades ou mesmo invocá-las. Em alguns casos, eram indumentária de guerras e batalhas, com pinturas assustadoras que teriam o condão de intimidar o adversário.

Na Grécia, as máscaras ganharam outra função. O teatro grego incorporou as máscaras como parte do figurino, fosse para representar sentimentos, ou para caracterizar personagens femininos ou masculinos (naquela época, a sociedade vivia bem com apenas dois gêneros).


No Egito, as máscaras mortuárias eram produzidas com a escultura da face da pessoa falecida. Os egípcios criam que o artefato ajudaria a travessia da alma, protegendo-a dos maus espíritos.

Já na idade média, em Veneza, o uso da máscara era regrado por leis. Admitiam-se máscaras em festas e bailes, para que as pessoas não tivessem vergonha de encarnar uma outra personalidade e se divertir dessa forma.

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No Brasil do século XXI, as máscaras sanitárias – além de obviamente contribuírem para mitigar o contágio de covid-19 em algumas situações – ganharam todos os papéis que o apetrecho teve em outras sociedades e em outras épocas. Palmas para a imprensa e para nossos políticos, que conseguiram sintetizar milênios de história do objeto e colocar esta bizarra colagem em prática em apenas um ano de pandemia.

A máscara tornou-se símbolo de batalha no Brasil. Se você é a favor do uso irrestrito, mesmo em casa ou sozinho no seu carro, você é esquerdista incurável. Ao contrário, se você sustenta que a máscara é ineficaz e postula que não deve ser obrigatória, você é Bolsonarista e pronto. Diferentemente do debate da “comprovação científica” requerida para cloroquina ou da ivermectina, a máscara não aceita argumentos – você não pode, nem com embasamento científico, postular que a máscara é eficaz em algumas situações mas não em outras. Decida-se logo, ou você é governo ou é oposição.

Também temos teatro com máscaras, tal qual a Grécia antiga. Aqui, a turma do “fique em casa” aparece fantasiada de máscara mas frequentemente é flagrada em aglomerações sem o uso do aparato. Felipe Neto, Freixo, dezenas de globais, e por aí vai. Quando fazem apelos emocionados ao público para que todos fiquem em casa preservando a vida alheia, poderiam até colocar aquela máscara grega de drama e, de quebra, ainda pintar uma lágrima caindo. 

Quem tem proteção cativa contra os maus espíritos não usa máscara. Nosso tosco presidente, protegido por seu histórico de atleta, desfila ostensivamente sem máscara, assim como seu entourage de lemmings. São bombardeados pelas imprensas local e internacional. O Papanfletador Francisco, contando com a providência “lá de cima” também passeou sem máscara pelo Iraque em sua recente visita, e ainda conduziu uma aglomeração, oops, missa. Os lemmings da imprensa nada disseram, até porque tachar Francisco de genocida, fascista, ou negacionista não pegaria bem.

E, claro, Veneza é aqui. Não tivemos carnaval este ano, mas isso não impediu ninguém de encenar outro personagem. João Dória interpretou um super-herói defensor dos fracos e oprimidos, mas quando despiu-se da fantasia e da capa, viajou para Miami. Bruno Covas protagonizou um xerife de velho-oeste, daqueles que mandam na cidade com pulso firme – fechou o comércio paulistano, espalhando desemprego e prejuízos, mas antes do início da festa foi com o filho a um jogo de futebol. Quando indagado sobre a coerência do novo papel, Covas rebateu que diante da incerteza da vida (referência à sua grave doença) não havia mal algum em se dar o prazer de assistir a uma partida na companhia de seu filho – será que o xerife concederá esse salvo-conduto a outros doentes também? Nem precisa tanto, quem sabe apenas a singela liberdade para poder tomar um chope com os amigos ou jantar fora com familiares sem dar de cara com estabelecimentos fechados.

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Quanto mais se discute a máscara no Brasil, mais máscaras caem.

Só quem não usa máscara são os ministros do STF. Não precisam. Neste país, têm proteção contra tudo e contra todos. E também não precisam de disfarce, todos sabem quem eles são.


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