Síndrome de Estocolmo


(Por: Mariano Andrade)


O termo “síndrome de Estocolmo” é usado para descrever o fenômeno psicológico que pode ser observado em algumas pessoas submetidas à condição de refém. Em casos de sequestro, às vezes a vítima acaba desenvolvendo uma afeição ao sequestrador após algum tempo em cativeiro.



A origem do nome vem de um assalto a banco occorrido em 1973 na capital sueca e que durou 6 dias. Mesmo após sua libertação, alguns reféns seguiram defendendo publicamente a motivação dos assaltantes e ofereceram testemunhos titubeantes durantes as audiências judiciais.

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Se a síndrome leva o nome de Estocolmo, o Brasil é a Suécia do Sul. Somos um país sequestrado pelo subdesenvolvimento e desenvolvemos uma enorme admiração pelo nosso raptor. Adoramos ser um país de terceiro mundo, onde quase nada funciona. Uma simples viagem a Búzios – o lindo balneário fluminense – num final de semana prolongado facilmente prova o ponto.

De início, há a folia de radares na estrada. É um disparate tão grande que merece este capítulo à parte (Link). E tem gente que elege políticos cuja plataforma é baseada em radares. São os que pedem para ser sequestrados.

Os pedágios seguem o mesmo caminho. Num mundo onde é possível viajar para NY sem levar um tostão de papel-moeda (e, em breve, sequer o plástico do cartão de crédito será necessário) é absolutamente ridículo que os pedágios causem engarrafamentos. Ah, temos a tecnologia do passe magnético, ela já tem mais de 20 anos mas é a única alternativa oferecida.  Por que o poder concedente não exige que o uso seja cobrado dos motoristas via conta de luz, por exemplo? As placas podem ser fotografadas e a tarifação pode ser efetuada de acordo com o uso – sem gargalos, sem perda de tempo, sem precisar colocar gente nas praças de pedágio...

... Mas aí entra a turma que defende o emprego de frentistas, cobradores e – se calhar –  acendedores de lampião, pouco importa se é uma má alocação de recursos produtivos. Ou então vem o argumento terceiromundista de que o concessionário enfrentaria inadimplência. Isto é, penalizamos a maioria cumpridora de suas obrigações por conta de uma minoria caloteira. Em outras palavras: nivelamento por baixo, receita gourmet para ser subdesenvolvido. Como é lindo nosso sequestrador!

Ao chegar em Búzios, temos um checkpoint covid-19 digno de muro de Berlim. Diversos carros policiais, homens armados e  guarda municipal também presente. No primeiro filtro, depois de uma hora engarrafado, o motorista tem que dizer se é ou não residente na cidade. Se for residente, apresenta o documento comprobatório e segue viagem. Se não for residente, vai para uma segunda triagem onde deve apresentar o QR code de sua reserva de hotel. Depois de mais meia-hora de espera, a guarda municipal lê o QR code e o motorista é liberado para seguir.

Ninguém noticiou, mas a prefeitura de Búzios descobriu a cura do covid-19: é o QR code (ou o comprovante de residência buziana)! Você pode estar ardendo em febre que não medem sua temperatura, basta o QR code. Mas se você estiver perfeitamente saudável e quiser apenas passar um dia numa praia de Búzios ou comer em um restaurante por lá, não pode: não tem QR code e a Alemanha Oriental não deixa você entrar.

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Há quem diga que a motivação do checkpoint não tem relação alguma com a questão sanitária e que a prefeitura não é tão estúpida ao ponto de querer controlar a pandemia com códigos de reserva de hotel. A razão do QR code, dizem, é forçar as pousadas a quitarem seus débitos com o ISS (ou seja, as inadimplentes não recebem o QR code para enviar a seus clientes), engordar o caixa antes das eleições municipais, tocar ficha nas obras usando esse caixa extra e, assim, conseguir eleger o sucessor do atual prefeito. Parece engenhoso, não? Como é brilhante nosso sequestrador...

... Ocorre que, para uma cidade cuja economia resume-se ao turismo, usar o visitante como instrumento fazendário é uma burrice maior do que controlar vírus por QR code. Além de desrespeitoso, o ridículo sistema implementado serve apenas para proporcionar ao turista uma péssima experiência logo na largada e convidá-lo a nunca mais retornar a Búzios. Subdesenvolvimento sustentável.

O inverno de Estocolmo é menos hostil ao turismo do que a primavera buziana.

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Num momento em que parece que a Suécia pode ter acertado ao não adotar quarentena (mortes per capita comparáveis a de vizinhos com queda substancialmente menor no PIB e com menos risco de novos surtos), a Suécia do Sul segue fazendo tudo errado: mesmo com contágio declinante, mantém escolas fechadas enquanto bares funcionam. 

É preciso pensar no benefício de longo prazo para adotar qualquer política que enseje uma curva “J”, com efeitos piores no curto prazo, mas um resultado global melhor numa janela de tempo mais extensa. Foi exatamente o que os suecos (do norte) tentaram fazer, mas na Suécia do Sul tivemos diariamente: placar de mortes no JN, discurso do ministro-da-saúde-candidato e panelaços-de-manobra. Somos reféns do curtoprazismo e do subdesenvolvimento que ele causa. E adoramos isso!

Afinal, como diz a música, nesse país abençoado por Deus, em fevereiro tem carnaval.


(P.S. Até a imprensa americana já começa a reconhecer o fracasso dos lockdowns, mesmo antes das eleições vindouras. A ineficácia do confinamento ficou tão evidente que não deu mais para varrer para o cantinho. Link: https://www.wsj.com/articles/the-failed-experiment-of-covid-lockdowns-11599000890)


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