Vá, sina!

 

(Por: Mariano Andrade)

A vacina do covid: esta é a pauta mais importante da humanidade, talvez rivalizada apenas pela urgência em “salvar a Amazônia de um governo tirano”. Parece que, entre a cura do câncer e a vacina do covid, a maioria dos “jornalistas”, “professores”, sindicalistas e políticos preferiria a vacina.

O mundo realmente ficou doido. E, como se diz no mercado financeiro, quando o hemisfério norte pega uma gripezinha (com trocadilho), o Brasil tem pneumonia. A “loucura covidiana” no Brasil é absolutamente alarmante.

**

O interessante livro “The demon in the freezer” de Richard Preston elabora sobre a história da varíola e o risco de o vírus da doença ser usado como arma biológica. O último caso de contaminação natural de varíola ocorreu na década de 70, e a OMS declarou a doença erradicada em 1980. O autor estima que a varíola tenha matado 1 bilhão de pessoas nos 100 anos precedentes (ou seja, 10 milhões por ano em média!), embora outras fontes produzam números menores mas igualmente impressionantes. Contudo, a humanidade foi irreponsável o suficiente para manter duas amostras do vírus, uma delas nos EUA (teoricamente segura) e a outra na antiga URSS. Segundo o autor, vários países já possuem cepas de varíola e esse é o maior risco sanitário à humanidade.

A varíola foi uma doença extremamente letal – segundo Preston, os médicos usavam como regra de bolso uma morte a cada três contaminados. Muitos dos que não morriam perdiam a visão ou ficavam com a pele desfigurada por cicatrizes. O R-zero da varíola era entre 4 e 17, ou seja, cada paciente acometido a transmitia para entre 4 e 17 outras pessoas. A contaminação era extremamente poderosa – o livro narra um caso na Alemanha em 1970 do qual o paciente zero conseguiu transmitir a outras pessoas mesmo ele estando em um quarto de hospital de confinamento. Detalhe: transmitiu para pessoas alojadas em outros quartos selados e situados em andares mais altos! Havia vacina, mas ela tinha boa eficácia por apenas 4 ou 5 anos.


Resumindo: segundo o autor, uma única partícula de varíola lançada num estádio de futebol cheio seria o suficiente para contaminar 50 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo em apenas quatro meses.

É curioso que, apesar da virulência e letalidade da doença e da curta validade da vacina, não há registros (ao menos na segunda metade do século XX) de confinamentos, uso obrigatório de máscara, fechamento de comércio e escolas, interrupção de tráfego aéreo ou placar diário de mortes nos veículos de mídia. Basicamente, a sociedade conviveu com o problema tomando os cuidados necessários e amparada por mídia e poder público empenhados em lidar com a questão sanitária usando a medida correta a cada momento do tempo. O livro descreve alguns surtos da varíola e como os especialistas trabalharam para os conter – durante essas campanhas, não se instalou pânico ou caos global, mesmo a humanidade já conhecendo a gravidade da doença.

O livro também descreve como houve colaboração internacional decisiva para a erradicação, mesmo durante a Guerra Fria. Mesmo países que se ameaçavam diuturnamente com armas nucleares foram capazes de atacar a questão sanitária sem mimimi. A participação da União Soviética, segundo o autor, foi instrumental para que se lançasse a força-tarefa internacional de erradicação nos anos 60.

**

A OMS estima que a letalidade da covid seja de 0.6%. Se isolados alguns grupos de risco, como idosos, provavelmente a taxa é muito menor. Se computarmos o fato de que há diversos pacientes que tiveram a doença assintomática (o que era raro na varíola) e não entram na conta, a letalidade pode ser ainda bem mais baixa. O R-zero da covid é cerca de 0.9.

Porém a sociedade reagiu de forma absolutamente desproporcional. Obviamente que os primeiros meses foram importantes para acumular conhecimento sobre a doença, avaliar tratamentos e achatar a curva. Mas apesar desses objetivos terem sido cumpridos, a comoção coletiva permanece em vários lugares do mundo (mas não na China, onde tudo começou – curioso, não? Por lá, as aglomerações já estão autorizadas.).

**

No Brasil, como de praxe, tudo é ainda pior. E a covid revela que nossas doenças tropicais são bem mais graves. O pânico desproporcional e coletivo foi bastante conveniente para que as nossas velhas patologias se manifestassem com força.

Temos a sina de ostentar os piores políticos do mundo, e portanto a covid virou software de corrupção e plataforma eleitoreira por aqui. Resultados: crise institucional, governador afastado, vários episódios de superfaturamento de respiradores e EPIs, hospitais de campanha erguidos e logo desmontados.

Temos também a sina dos políticos e sindicatos desprezíveis, entes que desejam controlar a vida das pessoas, obrigando-as à subserviência ao estado pela destruição da economia privada e da educação. Resultado: milhares de empresas e profissionais liberais quebrados, escolas fechadas há 6 meses, crianças com problemas psicológicos, suicídios.

Não menos danosa, nos acomete a sina de uma imprensa carcomida. “Jornalistas” que colocam ideologias à frente da informação e empresas que se valem de uma crise para tentar recuperar a influência ora perdida para mídias digitais e propagar seu ideário. É o “fique em casa” repetido ad nauseam e a contabilidade das mortes em telejornais, programas de variedades e até em jogos de futebol.

E temos a odiosa sina de dois-pesos-e-duas-medidas e ela se manifesta de várias formas, todos os dias. É o médico considerado herói combatendo o covid (fato!) e o policial vilipendiado ao morrer enfrentando bandidos. É o “meu corpo minhas regras” para a questão do aborto mas não quando se trata de uma “vacina” qualquer para a covid, mesmo a xing-ling, porque aí é antidemocrático não se vacinar (detalhe: a varíola foi erradicada sem que houvesse vacinação universal. Adotou-se a estratégia de cinturões de vacinação). É o STF censurar publicações “fascistas” mas permitir que outras desejem a morte do presidente da república a céu aberto.

E, em fevereiro, teremos carnaval. Pode apostar.

**

No meio dessa maluquice toda vêm as estapafúrdias decisões judiciais e opiniões de políticos lamentáveis que  preconizam o fim do confinamento ou a volta das escolas somente quando "houver segurança" ou quando houver vacina. É uma proposição tão ridícula quanto a seguinte: se formos invadidos pelo Paraguai, ficamos todos dentro das nossas casas até eles irem embora. Ou então até os argentinos virem aqui expulsar os invasores.

Interrompemos nossas vidas e, durante este “show do intervalo”, nossas crianças emburrecem, nossos jovens adoecem, o erário público é subtraído, nossa economia é destruída e o lado negro da força prevalece. O vírus nos vence com 0.6% e o Paraguai ocupa o florão da América.

Será que terá sobrado algum traço de sanidade na sociedade brasileira quando a vacina “redentora” aparecer? No Brasil, não é exatamente da vacina que precisamos. Nem se sabe se ela virá. Precisamos que vá embora nossa sina de fazer tudo errado.

Vá, sina! Vá embora!

Comments

Post a Comment